terça-feira, 24 de janeiro de 2023

O Teatro de Ferreira Gullar ou um clandestino na primeira classe

Por Rossini Corrêa
Discute o lugar do teatro da trajetória criativa complexa de Ferreira Gullar, dentro de uma perspectiva genética, em que a sua origem maranhense é destacada como a fonte originária de sua inserção em uma tradição cultural, que sempre esteve presente na construção de um corpo teatral brasileiro criativo e autônomo, para o qual terminou por concorrer, conquistando nele um lugar de notória centralidade.

O teatro, mais do que um lugar, constitui a reunião de três circunstâncias: a da visão individual e coletiva, a do transcurso representado de uma narrativa e a do impacto psicológico e emocional advindo da consumação do clímax expressivo. Entre arquétipos e exemplaridades, que ressonante civilização passou à margem, tangenciando-a como página em branco, da experiência, simultaneamente, real e imaginária, contagiosa e eletrizante do teatro? Nenhuma. O gênio grego, por exemplo, poderia ser definido sem o concurso necessário dos seus clássicos autores teatrais, presentes na história da literatura universal? Jamais. Refiro-me a Ésquilo e Agamenon e As Suplicantes; Sófocles e  Antígona e Édipo, Rei; Eurípedes e Medeia e As Troianas; Aristófanes e As Nuvens e Lisístrata; e, entre outros, Menandro e A Tosqueada e O Arbitramento.

O Brasil – ameaçado pela decadência sem ter alcançado a civilização, no vaticínio do antropólogo e filósofo Claude Lévi-Straus – cedo madrugou, quando de sua emergência tardia para a história escrita, no cultivo da arte teatral. José de Anchieta foi estrategista do manejo da arte dramática junto aos indígenas, no intuito de conquistar a sua consciência e reverter a sua cultura, trazendo-os e ganhando-os para a cosmovisão do cristianismo, por meio da expressão teatral. Chegaram até nós, da produção anchieteana, peças como Na Festa de São Lourenço, Diálogo do Crisma, Auto da Guaraparim, Auto da Vila da Vitória e Auto na Visitação de Santa Isabel. O apóstolo jesuíta, fundador, com Manuel da Nóbrega, do Colégio de São Paulo de Piratininga, em cujo redor nasceu a cidade de São Paulo, é reconhecido como a principal figura do quinhentismo, brasileiro, autor da Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, pioneira no estudo da língua tupi e dos poemas épicos e místicos, respectivamente, Os Feitos de Mém de Sá e Poema em Louvor a Virgem Maria, fundacionais da poesia brasileira.

É consabido, entretanto, que a Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, ensejou um profundo ânimo autonomista na esfera da cultura, o qual logo desembarcou na criação teatral, com Domingos José Gonçalves de Magalhães, autor das tragédias Antônio José ou O Poeta e a Inquisição, Olgiato e Othelo, com as quais Machado de Assis o reconheceu como, sobretudo, o fundador da dramaturgia nacional – o que seria a sua glória maior. Todo um ciclo literário, de cunho majoritariamente romântico, demarcou a sua eloquente presença no teatro brasileiro, com Martins Pena, Gonçalves Dias, Manuel Antônio de Macedo, Álvares de Azevedo, José de Alencar, Castro Alves e Casimiro de Abreu, em caminhada que, com menor fortuna, alcançou Machado de Assis e sua dezena de peças autorais.

Antônio Gonçalves Dias, um dos fundadores do humanismo nacional brasileiro, na sua refinada condição de polígrafo – poeta etnólogo, cronista, romancista, historiador, dicionarista, epistológrafo, tradutor etc – foi teatrólogo de extraordinária qualidade, conjugando capacidade criativa, superior consciência técnica e domínio da dinâmica do enredo dramático. Autor de Leonor de Mendonça, Patkull, Boabdill, Beatriz Cenci e da tradução de A Noiva de Messina, de Friedrich Schiller, o poeta maranhense, como destaquei em Gonçalves Dias e Ferreira Gullar: Destinos da Poesia Brasileira, recebeu o melhor reconhecimento de Zgignieu Marian de Ziembnski e de Sábato Magaldi, aquele, a tê-lo como sólido talento de dramaturgo, com substantivo conhecimento da conflituosidade no teatro e este, a destacar Leonor de Mendonça como autêntica obraprima da dramaturgia brasileira. Por sua vez, Marlene de Castro Correia sublinhou que o teatro gonçalvino contribuiu para a descontinuidade do romantismo com o império dos modelos clássicos do mundo antigo, privilegiando outros tempos, novos espaços físicos e cênicos, luz e timbres locais e distintos quadros pitorescos, alçando-os à condição de padrões estéticos peculiares e merecedores de valorização. Frente à visão ligeira, lacunosa e claudicante, neste particular, de Alfredo Bosi, ali iluminei o teatro gonçalvino como um momento complexo de sua dialética artística, enraizada no particular e projetada no universal. Alemanha, Itália, Portugal, Espanha e outros mundos constituem a ambiência da dramaturgia gonçalvina.

Uma constância foi firmada entre os poetas e os prosadores maranhenses projetados no Brasil. Qual seja, a de, como Gonçalves Dias, prestarem devotados serviços à arte teatral, tornando-se quer protagonistas, quer colaboradores do seu desenvolvimento nacional. Quem poderá escrever a história da criação teatral no Brasil sem a presença solar de Arthur Azevedo? O autor de A Capital Federal foi poeta, contista e cronista, com a sua breve e fecunda existência, todavia, dedicada à produção teatral, ora reunida em seis maciços volumes pela Fundação Nacional de Artes–FUNARTE. Coelho Netto, prosador de A Conquista, foi cronista, contista e romancista de profundo sucesso, até a Semana de Arte Moderna, porém, garantiu presença na galeria dos clássicos do teatro brasileiro, com a sua obra resgatada e reposta em circulação, em dois robustos volumes, também pela Fundação Nacional de Artes–FUNARTE.

E Graça Aranha – romancista de Canaã e de A Viagem Maravilhosa, memorialista de O Meu Próprio Romance, filósofo de A Estética da Vida e ensaísta de Espírito Moderno e Machado de Assis e Joaquim Nabuco – foi não apenas o diplomata e o internacionalista, mas a força antagônica de Coelho Netto, em célebre sessão disruptiva da Academia Brasileira de Letras. Homem de letras multimodal, por mim retratado em Bacharel, Bacharéis: Graça Aranha, Discípulo de Tobias e Companheiro de Nabuco, o artista maranhense foi o teatrólogo de Malazarte, a confirmar uma vitoriosa tradição provincial, que remonta, em tempos de Estado Autônomo, a Gonçalves Dias. E Viriato Corrêa, jornalista, mestre da história romanceada, contista e cronista de extensa bibliografia, foi teatrólogo e autor, como dramaturgo, de O Grande Amor de Gonçalves Dias, obra-prima das letras nacionais. Assim como Machado de Assis, o romancista, cronista, ensaísta e contista Josué Montelo, talvez com maior fortuna, foi autor de, pelo menos, uma dezena de peças teatrais. E Odylo Costa, filho, companheiro de geração de Josué Montello, e também acadêmico nacional, foi poeta, cronista, contista, novelista e periodista de relevo, inclusive político, sem deixar de ser autor de uma joia do teatro infantil, com Manuel Bandeira como personagem, intitulada O Balão que Caiu no Mar.

Quanto à Geração de 45 maranhense, reconfirmando uma consolidada tradição, também estabeleceu uma conexão necessária com a criação teatral. A começar por Bandeira Tribuzi, o qual, egresso de Coimbra, trouxe de Portugal para São Luís toda uma literatura, particularmente, ibérica, de escassa circulação no Brasil. Como é cediço, não me refiro ao manancial de criação poética e teatral advinda do quinhentismo português e do Século de Ouro espanhol, até as conexões, sobretudo francesas, com o Parnasianismo e o Simbolismo, no verso e com o Naturalismo e o Realismo, na prosa. Estou falando, a bem da verdade, do Modernismo português, de Fernando Pessoa e espanhol, de Federico Garcia Lorca, ambos com vínculos com o teatro. O poeta português foi autor de O Marinheiro (Drama Estático em um Quadro) e o bardo espanhol escreveu toda uma obra de dramaturgo, do que são exemplos Yerma, Bodas de Sangue, A Casa de Bernarda Alba, Dona Rosita a Solteira, e, entre outras, Mariana Pineda, O Malefício da Mariposa e Tragicomédia de Don Cristobal.

Desta maneira, os maranhenses da Geração de 45, retardatários em relação aos códigos estéticos da Semana de Arte Moderna de 1922, se conectaram, primeiro, com o Modernismo português, de Fernando Pessoa, Almada Negreiros, José Régio, Mário de Sá-Carneiro, Miguel Torga e João Gaspar Simões e espanhol, de Federico Garcia Lorca, Pedro Salinas, Vicente Aleixandre, Rafael Alberti e Luis Cernuda. E Bandeira Tribuzi, poeta, ensaísta, novelista e cronista, segundo as vertentes ibéricas de que era culturalmente originário, escreveu o precioso texto de teatro poético, intitulado Rosamonde (O Touro da Morte), que permaneceu inédito por décadas, mas foi por mim publicado, com prefácio do sociólogo pernambucano Roberto Aguiar, sob a confiança de Dona Maria Tribuzi, o concurso de Maureli. Costa e a decisão de Francisco Alves Camelo. Tratou-se da semente do heroico esforço de publicação das obras completas tribuzianas, que tipografou também os inéditos, Da Conveniência de Fazer-se um Deputado Conveniente, novela e Tropicália (Consumo&dor), poemário.

Ferreira Gullar, nos primórdios da década de 50, transferiu-se de São Luís para o Rio de Janeiro, levando consigo a mudança do código estético, posto que transitara do Centro Cultural Gonçalves Dias e da estreia em livro, com Um Pouco Acima do Chão, para a edição, com Lago Burnett, da revista “Afluente” e a vitória, com o poema “ O Galo”, no Concurso Nacional de Poesia, do “Jornal de Letras”, em Comissão Julgadora formada por Manuel Bandeira, Odylo Costa, filho e Willy Lewin. Ainda na primeira metade da década de 50, o jovem Gullar explodiria, em combustão verbal estelar, para a história da poesia brasileira, com a publicação de A Luta Corporal, livro de 1954, A produção teatral gullariana, por sua vez, emergiria na década de 60, das mais agitadas do século XX brasileiro, em meio ao frenesi político que levaria à ditadura militar de 31 de março de 1964. É que o poeta maranhense, ao vir para Brasília em 1961, presidir a sua Fundação Cultural, confrontaria o formalismo de vanguarda, com a necessidade de responder aos clamores das classes populares candangas, construtoras da nova Capital Federal, por usufruto cultural. Entre a Vida e a Forma, ao retornar ao Rio de Janeiro, por meio de sua esposa Thereza Aragão, aproximou-se Ferreira Gullar do Centro Popular de Cultura, da União Nacional dos Estudantes-CPC/UNE, fato que o conduziria à criação do Grupo Opinião, com Oduvaldo Viana Filho, Thereza Aragão, Pichin Pla, Denoy Oliveira, Paulo Pontes, João das Neves e Armando Costa. Estavam definidos o contexto e o cenário da primeira dentição da produção teatral gullariana.

Foi desenvolvido por Ferreira Gullar um ciclo de parcerias com algumas das mais ressonantes personalidades da dramaturgia brasileira no século XX, do que resultaram as seguintes peças teatrais: com Oduvaldo Viana Filho, Se Correr o Bicho Pega Se Ficar o Bicho Come; com Antônio Carlos Fontoura e Armando Costa, A Saída? Onde Fica a Saída? e com Dias Gomes, Dr. Getúlio, sua Vida e sua Glória, depois reintitulada para Vargas ou Dr Getúlio, sua Vida e sua Glória. Quanto a Se Correr o Bicho Pega Se Ficar o Bicho Come, ao conjugar, como teatro poético, as vivências plurais dos autores, girando em torno de terra, poder e impasse brasileiro, permitiu a Ferreira Gullar trazer para o texto premiado com o Saci e o Molière, o seu conhecimento da casta política do latifúndio maranhense, em uma síntese perfeita com Oduvaldo Viana Filho, expressa nos três finais: o feliz, o jurídico e o brasileiro

O feliz:

“MOCINHA

Querido, nasceu o nosso

décimo terceiro filho,

grande que parece um gato,

que nome botamos nele, o de Roque ou de Honorato?

(Entra Brás das Flores.)

 

BRÁS DAS FLORES

Patrão, tudo resolvido.

Expulsei Zé Preto e Mano

que eles venderam escondido

parte da safra do ano”.

 

O jurídico:

 “ROQUE

(Diz para Mocinha.)

Querida, ouça: essas terras divido

com os lavradores.

Não quero ficar com a safra

e a eles deixar as dores

 

(Entra Brás das Flores de Juiz.)

 

Quem é o Roque, o possesso?

Não vai fazer o que pensa.

Me acompanhe, por favor,

reabrimos seu processo.”

 

O brasileiro:

“MOCINHA

Ó, Roque Jesus, Glicério

É o novo Governador!

Na recontagem de votos

foi-se o Desembargador.

O rádio também informa

Que você será chamado

para ajudar na Reforma

Agrária, que vai dar terra a tudo que é lavrador.

 

(Brás entra vestido de guerreiro medieval.)

 

Venho da parte de sua

Majestade, Sua Alteza

Dom Requião, o Gentil,

Dizer que foi restaurada

A monarquia no Brasil.”

A Saída? Onde Fica a Saída? por sua vez, enfrentou, em tempos de Guerra Fria e mundo bipolar, dividido entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética, o angustiante problema da guerra nuclear, os interesses da indústria armamentista e as exigências morais da defesa da paz, por meio da destruição dos artefatos atômicos e da proibição global da construção de novas bombas. Na essência, a temática em questão sobreviveu ao desmanche do mundo contraposto, pois o ingresso no clube atômico – eis o Irã e a Coreia do Norte – permanece como a aspiração deste ou daquele, vetada pelos Estados Unidos, cujo jogo de poder fomenta guerras em favor da indústria armamentista e de sua fome pantagruélica de mercado e de lucros, à sombra da morte, como acontece agora no conflito da Ucrânia com a Rússia. Relativamente a Vargas ou Dr. Getúlio, sua Vida e a sua Glória, permitiu o retorno ao teatro poético, girando à volta da pulsão vital da quadra de uma escola de samba, cujo dramático enredo, com final gonçalvino, pretendia homenagear Getúlio Vargas, homem de Estado suicida, ou suicidado, em 24 de agosto de 1954:

“AUTOR

O enredo termina aqui.

É parte de nossa História,

que eu, como povo, vivi.

A verdade escrita em sangue

vira mito na memória,

mas tudo se deu assim,

isso eu posso garantir,

porque, meninos, eu vi”.

Trata-se de texto teatral definitivo, já incorporado ao que de melhor produziu a dramaturgia brasileira em todos os tempos. Descerrou-se, no tocante às décadas de 70 e seguintes, a segunda dentição da produção teatral gullariana, à margem das parcerias, com a produção de peças cem por cento autorais. Um Rubi no Umbigo, por si só, com tudo quanto contém de crítica de costumes, consciência das necessidades, denúncia das ambições e exposição da alienação humana, girando em torno de tudo e de nada, “nesta batalha perdida/que todos têm que vencer”, já garantiria a presença de Ferreira Gullar na galeria de honra da dramaturgia brasileira.

Filósofo da arte que caminhou para a antropologia filosófica, o pensador Gullar formulou a teoria da vida como invenção, cada um como criador de si mesmo, traduzindo, não sem ironia, o argumento no monólogo O Homem como Invenção de si Mesmo, no qual o obsessivo e obcecado personagem Vincenzo busca convencer a todos da justeza de sua tese, por meio de sua exposição, defesa, contraprova, reforma e mais, mais e mais comunicação a outrem, levando os interlocutores ao desespero.

Em Romance Nordestino, peça datada de 1983, retornou o escritor maranhense ao teatro poético e à relação entre terra e poder, vivíssima em sociedades como a brasileira, a qual embargou a democracia rural sonhada por Joaquim Nabuco e conservou o trânsito do sistema de capitanias hereditárias para o modelo sesmarial e deste, para a defesa do latifúndio, em parte sucedido pelo império do agronegócio, mantendo a atualidade dos problemas da sociedade agrária, deformando os caminhos da sociedade industrial e fraudando e frustrando as passagens para a sociedade do conhecimento. É impagável a cena do Tribunal do Júri:

 

“JUIZ

Vai começar a sessão

para que justiça se faça,

pra que se puna o vilão

independente de raça,

de classe ou religião

que lhe revista a carcaça.

 

JAGUNÇOS

Hoje aqui vai ter desgraça!

 

JUIZ

(assustado)

 

Quero dizer, a Justiça,

como tudo, é relativa.

Não pode ser implacável,

nem cruel nem vingativa…

JAGUNÇOS

 

Agora já melhorou!

 

PEDRO

Mas justa terá de ser

ou não é Justiça, não!

 

JUIZ

 

Não dê palpite, senão...

É Justiça, sim, senhor,

mas Justiça do sertão,

Justiça do interior,

levando em conta

o caráter próprio desta região…

POVO

 

É uma esculhambação!

 

JUIZ

Pode falar, promotor,

dê início à acusação

 

PROMOTOR

 

O coronel João-sem-Terra

é o mandante do crime.

 

ADVOGADO

 

Protesto! A prova dos autos de toda culpa o exime.

Um homem de tantas posses

jamais vai cometer crime!

 

PROMOTOR

Ele provocou a morte

de quatro trabalhadores

 

ADVOGADO

Desculpe, menos verdade!

Eram de fato invasores.

Pior que isso: infratores

da lei da propriedade.

E além do mais, não morreram.

 

PROMOTOR

Quem disse que não morreram?

ADVOGADO

Ninguém pode provar isso.

Sem cadáver não há crime

E onde estão os cadáveres?

 

PROMOTOR

O coronel deu sumiço!

 

ADVOGADO

Ou os quatro se esconderam só pra criar rebuliço?

Só para manchar a honra

de um homem probo, inteiriço,

como o coronel João

que, na modéstia que encerra,

se intitula humildemente

de coronel João-sem-Terra?

 

PEDRO

Tem mais terra que um barão!

 

PROMOTOR

Aí está o Dadeco,

que a mando dele matou!

 

ADVOGADO

Dadeco nem atirou.

Seu rifle não tinha bala.

Isso ficou comprovado

pelo perito Cegonha

conforme o laudo assinado.

 

(Mostra o laudo.)

 

POVO

 

É uma pouca vergonha!

 

JUIZ

Mando evacuar a sala!…

Vou dar minha decisão.

Seja qual for a pressão,

a Justiça não se abala…

Quatro pessoas morreram,

É fato sem discussão.

 

JAGUNÇOS

Pra morrer cinco não custa!

 

JUIZ

 

(assustado)

A justiça não se assusta!…

Se os corpos não aparecerem,

não procede a acusação.

Ponho os réus em liberdade.

Tá encerrada a sessão.

(Bate o martelo e se levanta para sair.)

 

POVO

 

Esse juiz é venal!

Não é juiz, é palhaço!

 

JUIZ

Olha que eu saio no braço!

 

JAGUNÇOS

(Apontando às armas contra o povo.)

 

Nós saímos no balaço.

 

POVO

(Vaiando.)

É um palhaço! Palhaço!

 

(O juiz se volta e dá uma banana.)

 

JOÃO-SEM-TERRA

Chega! Isto é um tribunal!

É mais sagrado que missa.

Um juiz não é palhaço.

Aonde iremos parar

desrespeitando a Justiça?

(ao juiz)

 

Mande-me lá um abraço!

JUIZ

(Se deixa abraçar constrangido)

 

Me digam: o que que eu faço?!”

 

Como se se tirasse por menos, Ferreira Gullar dizia não ser isto ou aquilo, apenas, modéstia à parte, poeta, quando, na verdade, foi poeta, cronista, ensaísta, ficcionista, artista visual, memorialista, tradutor e filósofo da arte e da cultura. E dramaturgo. Dos mais significativos de todos os tempos brasileiros. Na galeria em que estão, no século XX, entre outros, Ariano Suassuna, Nélson Rodrigues, Dias Gomes, Oduvaldo Viana Filho, Chico Buarque, Plínio Marcos, Paulo Pontes, Augusto Boal, Jorge Andrade, Gianfrancesco Guarnieri e Miguel Falabela, se encontra, destacadamente, o polígrafo maranhense, senhor de valorosa obra teatral. Confessou o pluriartista Gullar que deixava inéditas, pelo menos, duas peças de teatro, versando sobre a queda de Salvador Allende, no Chile e a sua prisão na Vila Militar, no Rio de Janeiro. Integram o ouro em pó pertencente a seus herdeiros, Luciana de Aragão Ferreira (Gullar) e Paulo de Aragão Ferreira (Gullar), bem como à cultura brasileira, sob a curadoria de Celeste de Aragão Ferreira (Gullar) Alves, aqueles, filhos e esta, neta, no templo da Rua Duvivier, nº 149, Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil, onde aguardam o chamado da publicidade e da eternidade, peças teatrais, diários, livros infantis, entrevistas, dispersos, fotografias etc, etc, etc.

 

Rossini Corrêa é um dos mais brilhantes intelectuais do Maranhão. Advogado, Escritor e Filósofo do Direito, com mais de 38 livros publicados, entre os quais se destacam: Saber DireitoTratado de Filosofia Jurídica; Jusfilosofia de Deus; Crítica da Razão Legal; Bacharel, Bacharéis: Graça Aranha, discípulo de Tobias e companheiro de Nabuco; Teoria da Justiça no Antigo Testamento; José Américo, o Jurista; Política Externa Independente: contribuição crítica à história da diplomacia nacional; O Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva; Brasil Essencial: para conhecer o país em cinco minutos; O Bloco Bolivariano e a Globalização da Solidariedade: bases para um contrato social universalista; e Romeu e Julieta no Brasil.

Pertence à Academia Brasiliense de Letras–ABL, à Academia Maranhense de Letras–AML, à Academia Internacional de Cultura–AIC e ao Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal–IHGDF.

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