''O homem é incapaz de descrever um ser divino” – disse-o Jung. Direi eu, ousadamente, que o homem é...''
*Rossini CorrêaO homem é o animal simbólico. Assim como as pernas direita e
esquerda proporcionam o caminhar natural, uma auxiliando a outra e as duas
sustentando o bípede ereto e garantindo a mobilidade do caniço pensante, o
fazer e o sonhar definem, de maneira mais integral, a natureza humana. O homo
faber é, simultaneamente, um homo fictor: artífice e sonhador.
Carl Gustav Jung, no coração da era do racionalismo, foi um
sábio pósracionalista, a compreender o homem como um ser complexo, produtor de
símbolos, na espontaneidade do seu inconsciente, por meio da desatada
formulação de sonhos. A dimensão divina foi prestigiada, à margem de reinantes
preconceitos racionalistas, pelo pensamento junguiano multimodal, com o
reconhecimento, inclusive, de que, existindo o símbolo como transcendente força
a tudo quanto é prosaico, remete para os cenários desafiantes e inexauríveis do
mediato e do universo sem límpida manifestação.
“O homem é incapaz de descrever um ser divino” – disse-o
Jung. Direi eu, ousadamente, que o homem é incapaz, não apenas de descrever o
ser, mas também as coisas divinas: o ser, os seres, as coisas sagradas.
Tentativas de aproximação, entretanto, são possíveis, à luz
da ciumenta pluralidade de formas de conhecimento: mito, magia, religião,
filosofia, ciência e todas as poéticas plausíveis e imagináveis. Mais do que
uma simples mistureba, ascende a holística como um processo dinâmico de
construção de um saber mais solidário e integrativo, comprometido com a
valorização total de tudo quanto permita a refinada ampliação do ato de
conhecer.
Ser de fabulação, enquanto individuação e coletividade, o
homem, no curso do tecido da história, nada retilíneo, sempre sinuoso e sujeito
a percalços, foi o semeador e o construtor do ideal de felicidade. Este, por
sua vez, disputado por concepções monistas ou pluralistas do mundo, ainda bem
que terminou perpassando por ondas magnéticas, tanto de multiplicação, quanto
de ressignificação.
Muito já se discutiu a respeito da existência ou da
inexistência de valores universais da cultura. Fundamentaram os negacionistas o
seu argumento na ideia de que, de forma específica, os valores estampados são
sempre de certa cultura, respondendo a circunstâncias históricas peculiares,
sob o peso condicionante de um espaço singular, relacionado a determinado
tempo. Ao contrário, os afirmacionistas defendem o princípio de que há um
substrato humano comum, cuja transversalidade valorativa se manifesta nas mais
diferentes tradições culturais, subordinando as suas máscaras ao corrente
reconhecimento, por exemplo, dos vinte valores universais mais relevantes:
amizade, confiança, amor, justiça, liberdade, bondade, honra, fraternidade,
honestidade, sabedoria, respeito, paz, responsabilidade, solidariedade,
tolerância, coragem, autocontrole, empatia, gratidão e compaixão.
Trata-se, a bem da verdade, de um debate em aberto, de curso
ordinário, sem ponto final, que remente, de forma subjacente ou explícita, à
controversa discussão relativo à expressão somente ocidental ou à dimensão,
necessariamente, universal dos direitos humanos. De qualquer maneira, voltando
à questão primeira, do homem enquanto animal simbólico, por suposto, incapaz de
descrever o ser, os seres, as coisas sagradas, forçosa é a percepção de que
sempre procurou, de recorrência em recorrência, fazê-lo, emprestando, entre
significados e significantes, expressão divina às coisas circundantes e
visíveis.
A árvore é testemunha da sacralidade ancestral, que lhe
conferiram as mais diferentes culturas, em cultos que não ficaram restritos aos
tempos axiais. A singularidade da árvore não permite olvidar, seja a
coletividade da floresta, seja a verticalidade da montanha. Quem, dotado de
razão sensível, se coloca diante de uma cachoeira, dialoga com a corrente
energética dela emanada. Assim também com a floresta. De igual maneira com a
montanha. Portanto, nesta China do terceiro milênio, que ascende para disputar
a hegemonia mundial com os Estados Unidos, à luz da sabedoria eterna, é comum e
frequente o homem mais representativo, mergulhado na consciência da antiga
sabedoria, proclamar o necessário respeito ao espírito da montanha. Legítima,
no outro extremo da Terra, é a vocalização dos povos originários do Peru, da
Venezuela, da Bolívia e do Brasil, sem o esquecimento do México e da Colômbia,
quanto ao espírito da floresta.
Em algum lugar do espaço e do tempo da cultura, os paralelos
se encontram. Todo homem, em certo sentido, é um oasiano em potencial: em que
tradição cultural o homem, confrontado com o fado do deserto da vida, não sonha
com um oásis? Provavelmente, em nenhuma. É quase um pleonasmo a expressão
árvore sagrada. Para os celtas, os germanos e os romanos - ou, segundo a
linguagem do preconceito, dos bárbaros aos civilizados - a árvore tinha
espírito e as religiosidades politeístas celebravam a floresta como um
santuário. Antecedendo o culto ao pinheiro e ao carvalho no Novo Mundo da
Europa, o Velho Mundo da Ásia e da África venerava, ou melhor, venera, a
cereja, no Japão e o baobá, ou embondeiro, em Moçambique.
O que ponderar quanto à Babilônia, a Assíria e o Egito, a
Índia, a Rússia, o Irã, Jerusalém e a Grécia? Um sentido ortodoxo percorreu a
passagem do politeísmo para o monoteísmo, até mesmo compreensível, ainda que
criticável, enaltecendo a letra e minimizando o espírito, quando aquela
extermina e este vivifica, como escreveu São Paulo, em II Coríntios 3:6. Se a
letra do cristianismo condenou a árvore, Cristo a absolveu pelos frutos,
conforme Lucas 6, 43-49. O cristianismo recepcionou e absorveu a ideia de
árvore da vida, advinda da ancestralidade oriental e desembarcada nas noviças
tradições ocidentais.
De onde a Árvore de Natal, síntese das sínteses do magistério
do Cristo histórico, cujo Domingo de Ramos, à sombra dos galhos de palmeiras,
festejou aquele que vem em nome do Senhor. Eis o cristianismo do espírito e do
Cristo Vivo, e não Morto, a inspirar, à margem do consumismo vulgar e
materialista, o solidário advento da família universal, disposta a renascer o
Cristo a cada dia, por meio da afirmação da regra das regras, da regra do Amor,
a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Eis como a
metafísica inspira a ética e ambas estão representadas na Árvore de Natal,
posto que, à sua luz, o cristão, partícipe da condição humana, é um ser
simbólico.
*Da Academia Maranhense de Letras, Rossini Corrêa é Jurista, Teólogo,
Filósofo, Poeta, Sociólogo, Ensaísta e Professor-Doutor e Pós-Doutor nas áreas do
Direito, Ciências Sociais e Teologia. Escritor profícuo, é um dos mais
brilhantes intelectuais brasileiros da atualidade. Nasceu em São Luís no ano de
1955. Também integra os quadros da
ABL-Academia Brasiliense de Letras e Academia Maranhense de Cultura
Jurídica, Social e Política-AMCJSP.
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