O dia internacional de lutas chega em momento em que, para mulheres, o desafio é se contrapor a várias guerras em curso
''As guerras que estão acontecendo agora – todas elas, as guerras dos bolsonaristas, a dos evangélicos conservadores extremistas, as guerras culturais - são, de alguma forma, contra nós”, avalia Jurema Werneck, médica, ativista do movimento de mulheres negras, cofundadora da ONG Criola e diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil.''Não
são guerras só contra as mulheres na dimensão dos corpos”, detalha Werneck,
“mas contra uma visão de mundo que a gente estava pleiteando e de certa forma
implantando. E que significa que o mundo dominado pelo macho, branco,
heterossexual, rico, tem que acabar”.
Marcha
das Margaridas
Coordenada
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras
Familiares (Contag), a Marcha das
Margaridas aconteceu pela primeira vez em 2000, reunindo 20 mil
mulheres - entre camponesas, ribeirinhas, quilombolas, agricultoras e
marisqueiras – em frente ao Congresso Nacional.
Mas sua quinta e última edição presencial foi em agosto de 2015. As mulheres do campo, das florestas e das águas chegaram a 100 mil no ato em Brasília, em defesa de um “desenvolvimento sustentável” com “autonomia, igualdade e liberdade”.
O nome da marcha homenageia Margarida Maria Alves, que presidiu o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na Paraíba. |
''Na
Marcha das Margaridas daquele ano a gente cantou pela primeira vez a música do
Fora Cunha”, lembra Nalu Faria, psicóloga, feminista e ativista da Marcha
Mundial de Mulheres. Poucos meses depois, a canção contra o então presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB), ecoaria em vários estados brasileiros.
Primavera
Feminista
Em outubro e novembro de 2015, enquanto a hashtag #MeuPrimeiroAssédio e seus relatos viralizaram nas redes sociais, seguidas manifestações de rua, com dezenas de milhares de mulheres, foram organizadas em capitais brasileiras com o mote "Fora Cunha".
Alguns veículos de Imprensa batizaram o período de ''Primavera Feminista”. A alcunha se popularizou. |
Para
Nalu Faria, mais do que a defesa da legalização do aborto e a reação ao risco
de um passo atrás nessa luta, a experiência manifestava, de forma mais ampla,
“a consciência da eminência de retrocessos”.
Alguns
veículos de Imprensa batizaram o período
de ''Primavera Feminista”. A
alcunha se popularizou.
Marcha
das Mulheres Negras
Depois
de dois anos de preparação com núcleos de bairro em todo o país, a Marcha das Mulheres Negras aconteceu
em 18 de novembro daquele intenso ano de 2015. “Contra o racismo, a violência e
pelo bem viver”, 50 mil mulheres negras se manifestaram em
Brasília.
''O movimento de mulheres negras já pauta muito do feminismo no Brasil desde os anos 1980”, ressalta a jornalista e escritora Bianca Santana. Em 1984 Lélia Gonzalez publicava seu clássico artigo Racismo e sexismo na cultura brasileira.
Depois de dois anos de preparação com núcleos de bairro em todo o país, a Marcha das Mulheres Negras aconteceu em... |
Jurema
Werneck acompanhou de perto a organização da Marcha de 2015: na época era
secretária executiva da Articulação de Organizações de Mulheres Negras
Brasileiras. “Só não tinha mais gente porque o deslocamento é muito custoso
para mulheres negras, em sua maioria moradoras de favelas, quilombos, terreiros
e comunidades tradicionais”.
Mas
foi uma mobilização que chamou “o Brasil e a diáspora”, opina Werneck, ao citar
a presença de Phumzile Mlambo-Ngcuka, sul-africana que naquele momento dirigia
a ONU Mulheres.
Os
quatro tiros e o prenúncio
Quando se aproximava do Congresso Nacional, quatro tiros foram disparados contra a Marcha das Mulheres Negras. “Todo mundo correu para tentar se proteger. Quando finalmente, depois de muita insistência, se conseguiu tirar os dois policiais à paisana dali, a marcha se recompôs e continuou”, conta Jurema.
''As feministas querem um lugar que não tenha...''. |
''E
nós fomos as únicas que nos importamos com isso. O Brasil não parou diante de
uma marcha de mulheres negras sendo alvejada por quatro tiros. Por todos esses
significados, essa marcha foi muito importante. Para mim é um antes e um
depois, minha vida mudou demais depois disso”, enfatiza.
Desde
então, coletivos locais da Marcha das Mulheres Negras seguiram organizados. ''São Paulo é um deles. Se constitui hoje como um grupo político que, além do
ato no dia 25 de julho todo ano [Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha], faz
uma série de ações ao longo do ano”, ilustra Santana.
Marcha
das Mulheres Indígenas
Em agosto de 2019, por deliberação feita durante o Acampamento Terra Livre, 2.500 representantes de 130 povos realizaram a Primeira Marcha de Mulheres Indígenas em Brasília, com o eixo “Território, nosso corpo, nosso espírito”.
Contra a aprovação do Marco Temporal, cuja votação foi adiada. |
Em
setembro de 2021, durante as mobilizações que levaram 6 mil indígenas a
acamparem em frente ao Supremo Tribunal Federal para pressionar contra a
aprovação do Marco Temporal,
cuja votação foi adiada, se realizou a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas.
8
de março de 2022 e as lutas em aberto
Ano
eleitoral, polarização política, queda nos índices de contaminações por Covid-19 com o avanço da vacinação, guerra na Ucrânia, quatro anos da execução de Marielle Franco e
Anderson Gomes, ocupação militar
no Jacarezinho, assassinato brutal de Moïse. Nesse contexto, chega mais um 8 de março.
''A expectativa é mostrar a força vinda das mulheres, de que 2022 é um ano de mudança”, resume Bianca Santana.
Ano eleitoral, polarização política, queda nos índices de contaminações por Covid-19 com o avanço da vacinação, guerra na Ucrânia, quatro anos da... |
''Nação?
A minha nação é de outro jeito. Não é fruto da violência como as nações
ocidentais. É fruto da coexistência, que está sendo perseguida há séculos. As
trans querem outra visão, querem uma nação, uma família, onde caibam. As negras
querem outro lugar, que não seja essa guerra armada contra quem tem a pele
escura. As feministas querem um lugar que não tenha feminicídio”,
ilustra.
''Pode haver de novo uma Marcha de Mulheres Negras, uma marcha "Ele Não". Mas tudo isso precisa ser um passo em relação a essa conjuntura, que é muito maior. Tem a ver com uma noção compartilhada de coexistência, em contraposição a uma guerra contra nós”, afirma Werneck. “Esse é o desafio: transformar isso em pauta. Atualizar nossas concepções e usar isso para transformar.”
''A expectativa é mostrar a força vinda das mulheres, de que 2022 é um ano de mudança”, resume Bianca Santana. |
''Acho
que o grande desafio é esse”, conclui a integrante da Marcha Mundial de
Mulheres, “garantir um processo de enraizamento da mobilização debatendo também
um projeto político para o Brasil, no qual as formas de desigualdade - que
entrelaçam raça, classe, gênero e sexualidade – se desmantelem conjuntamente”.
G
MONTAU
EDIÇÃO
DE ANB
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