Níveis críticos dos principais reservatórios ameaçam a capacidade energética do País a partir de novembro, mas o governo Bolsonaro insiste em negar a gravidade da situação. Crise vai provocar aumento da inflação e frear a retomada econômica
Enquanto o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) estima que o Brasil não terá reservas de energia a partir de novembro, alguns dos principais especialistas do setor são contundentes: o País pode conviver com apagões já em setembro — por causa da falta de planejamento e do negacionismo do governo de Jair Bolsonaro diante da crise hídrica mais grave em quase um século. “É provável que daqui a dois meses o sistema energético não dê conta da alta da demanda e comece a colapsar. Esse segundo semestre será difícil”, diz Adriano Pires, sócio-fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP). É uma análise corroborada por Mauricio Tolmasquim, ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). “Nós vamos chegar lá sem nenhuma margem. Qualquer necessidade adicional de energia não terá como ser suprida”, afirma. “A probabilidade de apagões, neste caso, é alta”, completa.
SEM ELETRICIDADE Moradores recorrem às escadas em Brasília.
Negacionismo
Havia, no entanto, medidas que poderiam evitar a situação dramática atual. Uma delas seria adiantar o chamado “racionamento econômico”, isto é, um aumento gradual nas tarifas de energia elétrica para controlar o consumo. Quando o governo decidiu ajustar o valor da conta de luz, em março, os reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste — responsáveis por 70% da distribuição brasileira — já estavam operando com apenas 30% da sua capacidade total. Hoje, esse número é de 26%, e a previsão do ONS é que eles cheguem a 10% em novembro, o que seria o pior nível da história do sistema. “Foi uma decisão tardia, porque só foi tomada quando a crise estava enorme”, afirma Pires. Uma segunda atitude que o governo poderia ter tomado seria realocar boa parte da produção energética do País para usinas térmicas que, apesar de mais custosas e poluentes — já que são movidas a combustíveis fósseis —, evitariam o esvaziamento acelerado das reservas hídricas. Isso poderia ser feito já no começo do ano, quando dados do ONS mostravam que o volume de chuvas sobre elas era o pior em 90 anos. A previsão foi confirmada em um relatório do órgão publicado neste mês, quando, enfim, se abriu uma chamada emergencial para contratar as térmicas. “Se isso tivesse sido planejado melhor, estaríamos em uma situação mais confortável agora. Teria sido mais caro, mas não chegaríamos a um ponto irreversível de não ter água para dar conta da demanda de energia”, explica Tolmasquim.
Para além dos
erros técnicos, há ainda a postura negacionista ante a iminência de o País
ficar parcialmente às escuras. Enquanto os especialistas alertam que a situação
é crítica, o governo insiste em afastar o risco de apagão ou de rodízio do
consumo de energia elétrica. No fim de junho, por exemplo, o ministro de Minas
e Energia, Bento Albuquerque, apareceu em rede nacional negando qualquer
possibilidade de racionamento em 2021. “Quem está dentro do setor sabe que não
é assim. A população não está sendo informada como deveria”, opina Tolmasquim.
“O governo demorou a avisar as pessoas. Um tom alarmista não é necessário, mas
também falta uma comunicação mais clara do momento dramático que poderemos
viver em breve”, completa Adriano Pires. O negacionismo de Bolsonaro e seus
ministros se explica não apenas pelo temor de que a crise energética prejudique
a retomada econômica, sua aposta para alavancar a popularidade, mas
principalmente pelo fantasma da crise de 2001. Naquele ano, às vésperas da
eleição presidencial, o governo Fernando Henrique Cardoso precisou impor um
racionamento de energia que durou sete meses, e que não foi suficiente para
impedir interrupções no fornecimento por todo o País até fevereiro de 2002.
“Uma crise hídrica depende sempre de uma gestão federal.
Na época do FHC,
essa questão não era tão conflituosa como é agora. Ou seja: dessa vez não há
como culpar administrações de outras instâncias. É responsabilidade do
presidente”, analisa a cientista política Graziella Testa, da Fundação Getúlio
Vargas (FGV-DF).
As projeções
pessimistas de colapso energético neste segundo semestre também se amparam na
necessidade de uma retomada econômica ainda em 2021. Para que ela aconteça,
porém, grandes consumidores de eletricidade, como o setor industrial, vão
demandar mais do sistema, que não terá como atendê-los. A estimativa do ONS é
que esse aumento seja de 4,6% neste ano. Para os especialistas, a crise
energética atual vai frear essa recuperação. “As previsões de crescimento de
até 5% do PIB feitas pelos bancos não vão se concretizar. Não teremos energia
para sustentar esse crescimento”, diz Adriano Pires. “As falhas de distribuição
devem acontecer justamente quando essa demanda aumentar, em consonância com os
picos de consumo das residências”, concorda Tolmasquim. A luz mais cara ainda
pressiona a inflação, que não deve ficar abaixo dos 7%, segundo a consultoria
LCA. O governo esconde a gravidade da situação para não se prejudicar no
próximo pleito, mas pode estar criando um desastre eleitoral para ele mesmo em
2022.
VINÍCIUS MENDES
EDIÇAO DE ANB
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Quer dizer que a culpa é do Bolsonaro... Eu poderia jurar que o planejamento da matriz energética de um país fosse feito com anos de antecedência e não em dois anos e meio, especialmente se nesses 2,5 anos de governo um ano e meio tiver sido dedicado a administração de uma pandemia sem precedentes no país e a recuperação econômica de um país que já tinha uns 14 milhões de desempregados. Lula, no lugar de construir hidreléricas na Nicarágua, poderia tê-las feito no Brasil. Não teria sido ótimo ?
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