segunda-feira, 19 de abril de 2021

PANDEMIA DA FOME 

Dos R$ 500 mi destinados ao PAA, R$ 240 mi não foram usados; insegurança alimentar atinge 59,4% dos domicílios no Brasil

Com a desidratação crescente das políticas públicas e o aumento da fome no país, segmentos de oposição pressionam a gestão Bolsonaro para que o governo libere R$ 1 bilhão para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em 2021.

Voltado à promoção do acesso à alimentação e ao incentivo da agricultura familiar, o PAA tem orçamento vinculado ao Ministério da Cidadania e é visto como política estratégica para o combate à fome, que afetou 10,3 milhões de brasileiros durante a pandemia, enquanto mais de 125 milhões de pessoas tiveram algum grau de insegurança alimentar no período.

Voltado à promoção do acesso à alimentação e ao incentivo da agricultura familiar, o PAA tem orçamento vinculado ao Ministério da Cidadania. 
Levantamento divulgado pelo Food for Justice – Power, Politics and Food Inequality in a Bieconomy, da Universidade Livre de Berlim, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UNB), mostrou que 13,6% dos brasileiros com mais de 18 anos passaram ao menos um dia sem refeição, entre os meses de agosto e outubro de 2020. A pesquisa, realizada com 2 mil pessoas entre novembro e dezembro de 2020, mostrou que a insegurança alimentar chegou a 59,4% dos domicílios brasileiros.

Diante da previsão de apenas R$ 101 milhões para o PAA em 2021, movimentos populares e parlamentares demandam que o governo desloque verbas para que o programa chegue a um orçamento de R$ 1 bilhão.

Um grupo de parlamentares do PT atua para que o Ministério da Agricultura (Mapa) libere valores não utilizados pela gestão na Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).

Tem relação com os estoques públicos de alimento, formados pelos grãos armazenados.
Vinculada ao Mapa, a PGPM consiste numa medida de apoio a produtores rurais na qual o governo federal estabelece preço mínimo de referência aos produtos agrícolas para assegurar uma rentabilidade básica da produção.

A medida tem relação com os estoques públicos de alimento, formados pelos grãos armazenados pelo governo para, entre outras funções, evitar o desabastecimento no país. A PGPM teve, em 2020, R$ 1,8 bilhão em recursos totais, mas apenas R$ 168 milhões foram gastos, uma quantidade de menos de 10% dos valores.

Deputados do PT apontam que os recursos estariam disponíveis e sugerem que a verba seja, então, remanejada para o PAA. A pauta esteve no foco de uma reunião com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, na última quinta (15), para negociar o deslocamento.

“Nossa insistência foi muito grande para que haja ao menos R$ 1 bilhão. Ela não confirmou esse valor e ficou de ver. Nós vamos continuar insistindo”, disse o líder da bancada do PT na Câmara dos Deputados, Bohn Gass (RS). 

Para que o deslocamento dos recursos fosse feito, seria necessário que o presidente assinasse uma medida provisória ou que o governo apresentasse a proposta ao Congresso.
Para que o deslocamento dos recursos fosse feito, seria necessário que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinasse uma medida provisória ou que o governo apresentasse a proposta ao Congresso Nacional por meio de projeto de lei.

Recurso paralisado

O valor de R$ 1 bilhão para o PAA já havia sido solicitado para 2020, mas a cartilha de enxugamento de gastos do governo fez com que apenas R$ 500 milhões fossem previstos para o programa no período. Desse total, R$ 240 milhões não chegaram a ser executados. A informação foi dada pela ministra Tereza Cristina durante o encontro em que recebeu os opositores, na quinta.   

“É lamentável que, em plena pandemia, com milhões de pessoas passando fome, com os agricultores desde o começo da pandemia sem nenhum auxílio, sem nenhum apoio, [a gestão] tenha R$ 240 milhões parados no ministério por incompetência do governo e por opção de não se executar o recurso”, critica Alexandre Conceição, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST).   

Por conta disso, os opositores pressionam o governo também para que a verba do PAA para este ano seja mais concentrada na...
Estudos técnicos dos segmentos populares em parceria com a oposição apontam que a paralisação da verba se deu no nível dos repasses feitos a estados e municípios, que acabam tendo execução lenta e balizada pelos interesses políticos locais.

Por conta disso, os opositores pressionam o governo também para que a verba do PAA para este ano seja mais concentrada na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Empresa pública vinculada ao Mapa, ela é a responsável pela execução do PAA diretamente com associações e cooperativas da agricultura familiar.

O método é o mais defendido pelos segmentos populares para a efetivação do PAA porque, além de mais célere, fortalece a pequena agricultura. “É a melhor forma. A verba que está parada no PAA está nessa situação porque foi destinada principalmente para prefeituras e municípios. Se o governo tivesse destinado à Conab, com certeza teria sido gasta e executada e hoje teríamos muito mais produtos pra oferecer pro PAA”, diz Conceição.  

A aprovação da medida depende de negociação de verbas com a equipe econômica da gestão e do consequente apoio da tropa governista. 
Consequências

Coordenador do núcleo do PT que atua em pautas agrárias, o deputado Pedro Uczai (SC) aponta que o contexto atual de inflação dos alimentos, carestia e empobrecimento do campo e da cidade resulta, entre outros fatores, da falta de investimentos da gestão Bolsonaro nos programas e políticas voltados à agricultura familiar.

“Agora o governo não tem alternativa. Tem que pôr recurso na agricultura familiar pra produzir alimento e fortalecer o setor e também pra produzir para o mercado de massa nacional, porque o povo já está passando fome.”

Uczai afirma que a injeção de mais verbas no PAA seria fundamental para evitar um fortalecimento da cadeia que amplia os problemas nos meios urbano e rural. “Se [o governo] não fizer isso, vai aprofundar os problemas no campo, vai aumentar a desigualdade no campo e a miséria e a fome na cidade também, por isso queremos R$ 1 bilhão”.

Uczai afirma que a injeção de mais verbas no PAA seria fundamental para evitar um fortalecimento da cadeia que amplia os problemas nos meios urbano e rural.
Por conta da ampliação da fome e do desamparo ao setor da agricultura familiar, a oposição pressiona atualmente o governo também por incentivos ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e pela anuência ao Projeto de Lei (PL) 823/2021, que está travado na Câmara.

A aprovação da medida depende de negociação de verbas com a equipe econômica da gestão e do consequente apoio da tropa governista no Congresso. A proposta prevê um auxílio emergencial para agricultores e outras medidas resgatadas do PL 735/2020, que foi parcialmente vetado por Bolsonaro em agosto do ano passado.


CRISTIANE SAMPAIO

EDIÇÃO DE ANB

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