sábado, 11 de janeiro de 2020
Oriente Médio
“É uma clássica movimentação militar para finalidade de
hegemonia territorial”, explica cientista político
A ação dos Estados Unidos que culminou no assassinato do alto
general iraniano Qassim Soleimani, em 3 de janeiro, pode guardar relações mais
profundas com temas políticos e questões internos estadunidenses do que
apenas uma ambição por petróleo na região. Essa é a conclusão de especialistas
escutados pelo BdF.
“O determinante e prioritário dessa ação militar está
mais relacionado à dinâmica interna da política americana, ao processo de
impeachment de [Donald] Trump e, fundamentalmente, às eleições deste
ano, do que à exploração e produção de petróleo”, afirma William Nozaki,
cientista político e diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos
de Petróleo e Gás e Biocombustíveis (Ineep).
Ainda de acordo com Nozaki, “é uma clássica movimentação
militar para finalidade de hegemonia territorial e disputa econômica, mais do
que pela busca do recurso”. A opinião do diretor do Ineep encontra eco nos
argumentos do professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas
(FGV) Vinícius Rodrigues Vieira.
“Eu não vejo nos atos de Trump uma preocupação
imediata com o petróleo, acho que é uma leitura antiga, mas acho que há mais
nuances aí. Hoje, os EUA dependem muito menos do petróleo do Golfo Pérsico. Se,
no passado, a disputa entre os EUA e o Irã era muito associada ao
petróleo, hoje esse tema é insignificante. É mais impulsionada por uma questão
de status, os EUA nunca engoliram o episódio da embaixada americana no Irã em
1979 e, talvez, um medo de que o mesmo pudesse se repetir em Bagdá
tenha influenciado essa medida contra Soleimani”, avalia Vieira.
Em 1979, estudantes iranianos invadiram a embaixada
estadunidense em Teerã e fizeram 52 reféns, exigindo a soltura
do Xá Reza Pahlevi, que estava preso em território estadunidense.
Por diversas vezes, principalmente quando deseja protestar contra embargos impostos pelos Estados Unidos, os iranianos ameaçam fechar o Estreito de Ormuz.
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Apesar do anúncio feito pelo Irã, em novembro de 2019, da
descoberta de um novo campo de petróleo no sul do país, com capacidade de
extração de 50 milhões de barris de óleo bruto, Nozaki lembra que os
norte-americanos são autossuficientes no combustível e podem não ter interesse
imediato no recurso iraniano.
“Sem dúvida, o petróleo ainda influencia a geopolítica
mundial e justifica muitas movimentações. Porém, em relação ao Irã, os EUA têm
interesses mais territoriais, já que possui uma reserva de petróleo de ao menos
20 anos”, explica o diretor do Ineep.
Já Vieira aponta um fator geográfico que pode influenciar os
próximos passos do imbróglio. Ainda que o petróleo seja cada vez menos
importante e a Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] tenha
perdido poder, cerca de 20% a 30% do petróleo mundial passa pelo Estreito de
Ormuz. Considerando os compradores de petróleo do Irã, em grande parte China e
Índia, esse petróleo abastece a atual máquina da manufatura e da indústria do
mundo. Então, você pode prejudicar o desenvolvimento da Ásia.”
Estreito de Ormuz
Ligação entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã,
o Estreito de Ormuz é a única ligação da região com os oceanos. Toda
mercadoria que chega por vias marítimas passa pelo local, que é
controlado pelo Irã, mas vigado de perto pelos estadunidenses e vizinhos
do país persa, como os Emirados Árabes.
Em julho de 2019, os iranianos provocaram um navio de assalto
anfíbio da Marinha norte-americana, que estava no estreito, com um drone que se
aproximou da embarcação e foi derrubado. Os EUA protestaram e exigiram que a
Guarda Revolucionária Iraniana (GRI), que era comandada por Soleimani,
liberasse o navio petroleiro Riah, com bandeira do Panamá. Terã acusava os
panamenhos de contrabandearem petróleo na região.
Nozaki lembra que “o Irã tem o controle prioritário do
Estreito de Ormuz, por onde circula uma parte significativa do petróleo que vai
para parte da Europa e para a Ásia. Portanto, o ataque tem uma dinâmica
muito mais de reorganização dos espaços geográficos e serve, também, para
enviar recados ao Irã.”
Por diversas vezes, principalmente quando deseja protestar
contra embargos impostos pelos Estados Unidos, os iranianos ameaçam fechar o
Estreito de Ormuz, o que inviabilizaria o comércio e a logística local,
prejudicando diversos países da região e, inclusive, interesses
norte-americanos no Oriente Médio.
Preocupada com a tensão entre EUA e Irã, a Petrobras anunciou,
na última quarta-feira (8), que seus navios deixarão de passar pelo local. “A
companhia avaliou o referido cenário e, em conjunto com a Marinha do Brasil,
decidiu por evitar, no momento, o trânsito pelo Estreito de Hormuz”, divulgou
em nota.
Sanções
Nesta sexta-feira (10), os EUA anunciaram novas sanções
econômicas ao Irã, que atingirão oito integrantes do governo iraniano,
além de empresas de mineração e metalurgia, produtores de aço, ferro e cobre.
O Secretário do Tesouro estadunidense, Steven Mnuchim, também
divulgou sanções para duas empresas de origem chinesa que negociam com o
governo iraniano, além de uma empresa de fachada com sede nas ilhas Seychelles.
“Essas sanções vão continuar até que o regime iraniano pare
de financiar o terrorismo global e se comprometa a nunca ter armas nucleares”,
explicou Mnuchim. “O prejuízo será de bilhões de dólares”, anunciou.
Igor Carvalho
Edição de ANB
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