quinta-feira, 7 de novembro de 2019
Renova
e governo Minas teriam omitido estudo que mostra contaminação cancerígena desde
2015
“São quatro anos de lama, poeira e de luta
24 horas por dia para provar que essa poeira é tóxica e que minha filha está
contaminada pelos metais da lama da Samarco”, desabafa Simone Silva, atingida
pelo crime da Vale, Samarco e BHP Billiton em novembro de 2015. A denúncia divulgada nesta segunda-feira (4)
pela APública não pegou Simone de surpresa.
Na denúncia, a reportagem aponta que um
relatório realizado pelo Estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana (ARSH)
confirmou que a poeira e o solo superficial de Mariana e Barra Longa estão
contaminados por metais pesados e que a população pode ser contaminada através
da ingestão, inalação ou absorção dérmica das partículas. Ainda de acordo com o
órgão, o risco à saúde é gravíssimo e exige uma ação urgente.
Em 2018, o Brasil de Fato noticiou um estudo divulgado pela Faculdade de Ciências
Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) apontando que onze
moradores de Barra Longa estavam contaminados por metais pesados, entre eles a
pequena Sofya - hoje com 4 anos, filha de Simone Silva. Desde o rompimento da
barragem, ela e a família convivem com a poeira das mineradoras, que foi usada
para recapear as ruas dos distritos.
Nos exames toxicológicos foram
diagnosticados alto índice de níquel e arsênio e baixo nível de zinco. À época,
a médica Aline Bentes, da Rede de Médicos e Médicas Populares, alertou que esse
tipo de intoxicação pode causar insuficiência renal, doenças no fígado, anemia
e doenças neurológicas graves, como psicose, demência e delírio. Aline Bentes
ponderou ainda que uma vez intoxicadas, as pessoas devem ter acompanhamento
médico por toda vida.
Segundo estudos, a população pode ser contaminada através da ingestão, inalação ou absorção das partículas através da pele. |
Desde 2017 o Movimento dos Atingidos por
Barragens exige que as mineradoras arquem com o custo de exames toxicológicos
para toda a bacia do Rio Doce. “Agora vemos o Estado e a Renova bloqueando
não só o direito do acesso à saúde, mas também à informação das populações
atingidas. Então nós novamente exigimos que todos atingidos, tanto do Rio Doce
quanto do Paraopebas, realizem os exames e tenham acesso à esse e outros
estudos sobre a contaminação da lama”, pontua Pablo Dias da coordenação
nacional do MAB.
Além da poeira tóxica, o crime das mineradoras
também afeta a saúde mental dos atingidos. A Pesquisa sobre a Realidade
de Saúde Mental em Mariana (PRISMMA), divulgada no ano passado pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apontou que entre os 271
entrevistados, o índice de depressão era cinco vezes superior à média
brasileira. Além disso, foi identificado um risco de suicídio de 16,4%.
Brumadinho
em alerta
Um mês após o rompimento da barragem da
mina Córrego do Feijão, moradores de Brumadinho e região começaram a apresentar
os mesmos sintomas que as populações atingidas pelo crime da Vale, Samarco e
BHP Billiton em 2015; coceira e irritações na pele, alergias respiratórias e
queda de cabelo. Em todo a bacia do Paraopeba, cerca de 1,3 milhão de pessoas podem estar
contaminadas com metais pesados.
Até agosto deste ano, somente 4,5% dos 12
milhões de metros cúbicos de rejeitos haviam sido retirados pela Vale, segundo
a última atualização da empresa, em julho. Passados mais de nove meses do
crime, famílias convivem com a poeira e a lama tóxica da mineradora.
Em Pires, comunidade há 4 km do centro de
Brumadinho, foi construído pela Vale, um bolsão onde são despejados rejeitos dragados do Rio Paraopeba.
À época os moradores denunciaram que não
foram ouvidos sobre a obra. “A Vale comprou esse terreno e começou a fazer as
obras de terraplanagem para receber essas ecobags de rejeito de minério. Mas
não houve nenhuma consulta à comunidade que estão abaixo, e vão sofrer com as
consequências, que é a contaminação do lençol freático, do solo, da poeira da
lama que também vai chegar”, questionou Eloá Magalhães, militante
do MAB, temendo a possibilidade do Pires se tornar um novo canteiro de
obras, como ocorreu em Barra
Longa, próximo a barragem do Fundão, em Mariana(MG).
Vale
recomenda que belo horizontinos usem água do Paraopeba
Mas os impactos do crime também podem
repercutir na saúde da população da capital mineira. Pablo Dias, da coordenação
do MAB denuncia que durante uma audiência pública realizada na última semana,
para tratar sobre a possível crise hídrica na região metropolitana de Belo
Horizonte, a Vale recomendou a captação da água do Rio Paraopeba para resolver
o problema de abastecimento causado por ela. “A Vale é irresponsável. Mesmo
tendo conhecimento da intoxicação causada pela lama, ela negligencia
a saúde de mais de quatro milhões de pessoas que moram na região metropolitana.
É um absurdo ela fazer esse tipo de recomendação”, questiona.
Renova:
o crime é periódico
Em fevereiro deste ano o Movimento dos Atingidos por Barragens lançou
um documentário abordando os problemas de saúde causados às
populações atingidas pela lama da Samarco, Vale e BHP Billiton. No curta, o MAB
denuncia que além da negligência com os atingidos, a morosidade da Renova em
atender às famílias desencadeia também uma série complicações para a saúde
mental das populações atingidas. O documentário pode ser conferido no
link https://www.youtube.com/watch?v=2IB8herof-g
O que
alegam o governo e a Fundação Renova?
Em nota publicada no site, a Fundação
Renova afirma que “Os dados estão sendo avaliados juntamente com o governo do
estado de Minas Gerais e as prefeituras de Mariana e Barra Longa”. e que “Em
cumprimento à Nota Técnica 11/2017, todos os dados, informações e relatórios
produzidos pelo estudo são proibidos de serem publicados pelas instituições
contratadas e pela Fundação Renova, sem autorização das autoridades públicas”.
Já o governo de Minas Gerais, por meio da
Secretaria Estadual de Saúde informou à reportagem do Brasil de Fato que “O
relatório encontra-se em análise por uma equipe multisetorial da SES/MG. E vem
sendo elaborado um Plano de Ação que contemple a adoção de todas as medidas de
curto, médio e longo prazo necessárias para minorar os danos causados. Ambos os
materiais serão publicizados assim que as análises sobre eles forem
concluídas.”
Com informações de Pedro
Stropasolas e Rafaella Dotta
Edição de ANB
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