quarta-feira, 23 de outubro de 2019
Enquanto o capital estimula o empreendedorismo, a produção de pobreza só aumenta
Por Anderson Pires
Os
últimos dados divulgados pelo IBGE explicitaram o quanto aumentou a
desigualdade no Brasil a partir de 2015. A série que avalia o índice Gini
desde 2012, mostrou que em 2018 atingiu-se o pior resultado já registrado.
Enquanto os 30% mais pobres no Brasil tiveram sua renda diminuída, o 1% mais
rico teve um aumento de 8,4% na renda média.
Aqueles
que acreditam que o maior dos males do Brasil é a corrupção, buscarão
justificativas nos moldes da Lava Jato, para justificar a quebradeira que
foi promovida no país e, consequentemente, atribuir a desigualdade a esse
fenômeno.
Mas,
quem consegue ver para além do ódio de classe, poderá perceber que se estamos
em uma crise econômica, seja por qual motivo for, existe uma parcela muito
pequena da população, formada pelos mais ricos, que ganhou mais dinheiro nesse
período e que, contraditoriamente, parece estar imune a qualquer crise.
Evidente
que a partir de 2015 o país foi tomado por essa parcela ínfima e, sendo assim,
o processo de redução da desigualdade no Brasil foi debelado a partir de
mudanças nas políticas públicas e por uma condução econômica de viés liberal,
que promoveu a retirada de programas importantes, que geravam distribuição de
renda, geração de emprego e valorização da produção. O rentismo voltou a ditar
os rumos da economia e, como num passe de mágica, um país em recessão teve seus
três principais bancos privados com recorde histórico nos lucros. Se a
corrupção produz mazelas, não resta dúvidas que ainda mais nocivo é um estado
que intensifica a proteção do capital e conduz suas políticas para que os mais
ricos ganhem cada vez mais.
Contudo,
o problema da desigualdade no Brasil e no mundo não é só um reflexo das
políticas adotadas pelos estados. O capitalismo com sua capacidade criativa
absurda está formando uma verdadeira legião de agentes da desigualdade. E o faz
com tal o requinte, que consegue convencer muitas pessoas a pensar que, de
alguma forma, estão trabalhando para promover algo de melhor para o mundo.
Essa afirmação parece estranha, mas observem que atingimos o... |
Essa
afirmação parece estranha, mas observem que atingimos o maior nível de
desigualdade no planeta e nunca se ouviu o uso de tantos termos que apontam pra
uma situação diferente como a atual. No novo mundo do empreendedorismo, onde
startups proliferam, o vocabulário está permeado de termos como colaborativo,
desruptivo, ecossistema, coworking, descolados, participativos, antenados e
até a figura do anjo-da-guarda dos negócios passou a ser um ente obrigatório
nesse cenário.
Diante
de tanta suposta boa vontade em dividir, o capitalismo criou um cenário que
mascara o grau de dominação e exploração que promove. Estimula o
empreendedorismo, fazendo milhões de pessoas pelo mundo acreditarem que todas
as soluções para suas vidas estão na capacidade individual. Omitem fracassos e
exaltam ao máximo sucessos pontuais, que servem de justificativa para que esse
modelo seja reproduzido massivamente. O modelo é cruel. Se antes o capitalismo
tinha que investir em talentos, hoje ele os estimula a fazer isso a custo zero,
só esperando a hora que alguém tenha alguma ideia rentável, para que possa ser
comprada e reproduzida sem nenhum custo de experimentação.
Focam
suas atividades na ação especulativa. Com isso, já temos um dado assustador:
toda a renda gerada pelo trabalho no mundo, ou seja, a soma dos esforços de
todos os trabalhadores, é menor do que a gerada pela especulação financeira.
Notem quão desumano é esse modelo. Não investem na capacidade produtiva,
estimulam o individualismo empreendedor, rentabilizam especulando no mercado e
detêm o controle do Estado que lhes protege enquanto a desigualdade só aumenta.
É
triste, mas o mundo está gerando uma verdadeira dinastia de promoção da
desigualdade. Cada vez mais se valoriza as individualidades e, com isso,
políticas públicas de cunho coletivo são atacadas e rotuladas como fruto de
viés político-ideológico, quando deveriam ser entendidas como uma premissa para
se ter um mundo mais humanizado e menos desigual.
Até
questões de ordem ambiental, como as que estão tão em voga, a exemplo da
Amazônia, do aquecimento global e do derramamento de óleo na costa do Nordeste
Brasileiro, quando são debatidas passam à margem da discussão sobre a redução
da desigualdade no planeta. Quando vemos uma menina de 16 anos virar ícone na
ONU na defesa de temas ambientais, temos em seu discurso uma série de lacunas,
que mostram a forma midiática que a questão é tratada, sem que se enfrente os
reais motivos do desequilíbrio no meio-ambiente e que em paralelo a isso
bilhões de pessoas vivem em extrema pobreza.
Em
meio a tanta tecnologia, a capacidade criativa parece ter sido reduzida. Se
vemos inovações quase que diárias, não temos nada que deixe conceitos que
poderão ser realmente compartilhados. Nas artes, na ciência, na política e em
quase todas as áreas não conseguimos destacar verdadeiras descobertas que
representem a quebra de paradigmas, ou a elaboração de teses que possam
produzir algo durador para a humanidade. Enquanto apps e novos modelos de
celulares norteiam as novas mentes, o capitalismo tira tudo que pode na forma
de inovação e rentismo. O pensar para além do capital é ofuscado, quase como se
fosse algo proibido num mundo formado por eus.
Prolifera
a hipocrisia. A mediocridade toma conta. O mundo vê passar bilhões de gigabytes
de informações, que escondem gente morrendo de fome. Todo esse tráfego de
dados não promove saber, mas sim desigualdade. Diante de um cenário tão
assustador, mesmo que não visto no Youtube ou nas mídias sociais na proporção
devida, o mundo precisa melhorar urgentemente, ou teremos algo parecido com
filmes de ficção, onde essa parcela gigantesca de pobreza terá que ser jogada
para debaixo da terra. Afinal, só cabe nesse mundo colaborativo a prosperidade,
o resto não precisa ser visto. Quero saber quando vão criar o capitalismo
desruptivo, onde especulação gere distribuição de renda e empreendedorismo
seja acabar com a pobreza coletiva e não só eventualmente de um ou outro
indivíduo.
Anderson
Pires é jornalista.
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