segunda-feira, 5 de novembro de 2018
Moradora da comunidade Gesteira, em Barra Longa , relata depressão do marido e descaso da empresa
“No dia 5 de novembro [de 2015] eu estava preparando a casa para receber a família e os amigos para comemorar o aniversário do meu marido, do meu filho e o meu. Nós sempre comemoramos tudo junto”, lembra Vera Lúcia Aleixo Silva, moradora da comunidade Gesteira, no município de Barra Longa (MG), às margens do Rio Gualaxo do Norte. “Por volta das 17h40, ao invés das pessoas ligarem para dar os parabéns, ligavam dando a notícia que tinha estourado a barragem em Mariana”.
Nesta segunda-feira (5), completam três anos que Vera saiu da casa onde morou por 43 anos levando apenas a roupa que estava no corpo. Ela foi uma das atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro pertencente a empresa Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton. O bolo, a cerveja e o congelador cheio de carne para a comemoração dos aniversários foram deixados para trás – assim como os móveis, documentos, fotografias e lembranças. “Vem essa lama e destrói toda a nossa vida, os nossos sonhos, nosso sossego, a nossa saúde”, resume.
Ao longo dos mais de 640 quilômetros que a lama percorreu são constantes relatos de moradores com problemas respiratórios e descamação da pele, além do aumento de casos de depressão. Amadeu, o marido de Vera, ficou deprimido e seu filho, Júlio César, teve manchas no corpo diagnosticadas como estresse.
Vera Lúcia Silva viu sua casa ser destruída pela lama de rejeitos de minério de ferro da barragem da Samarco. |
O casal viu seu lar sendo derrubada pela lama, do alto de um morro. Dali, precisaram caminhar cerca de duas horas pela mata até chegar a estrada que dá acesso à Mariana. Ficaram abrigados por 42 dias na casa da cunhada até que a Renova alugou a residência temporária.
“A minha casa foi criação minha, dos meus filhos e do meu marido. E essa não é igual. Estou em uma casa que não é minha, não me sinto em casa”, relata. Vera, Amadeu e os moradores de Gesteira aguardam o reassentamento prometido pela Renova. O prazo era final de 2017, mas a empresa alegou problemas na compra do terreno. Os atingidos seguem aguardando o reassentamento.
Negligência
Um inquérito da Polícia Federal, apresentado em 2016, apontou que houve negligência por parte da mineradora Samarco. De acordo com o documento, houveram falhas graves de manutenção da barragem e a empresa não tomou as providências necessárias diante de problemas detectados por consultores e informados desde 2014.
“Nós não somos animais, somos seres humanos! Se a empresa sabia que podia nos afetar, deviam ter nos preparado. Eles não podiam ter deixado a gente passar por tudo o que passou”, critica Vera.
Atingidos não reconhecidos
De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o rompimento da barragem de Fundão atingiu mais de um milhão de pessoas, mas a Renova estima realizar apenas 30 mil cadastros.
“Como [em Mariana] vou colocar gente estranha dentro da minha casa para escovar cabelo e fazer unha? Lá eu podia botar dentro da minha casa e até sair, porque todo mundo era conhecido. Aqui é só desconhecido”, ressalta.
As informações são da repórter Júlia Rohden
Edição de Fernando Atallaia e Pedro Ribeiro Nogueira
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