quarta-feira, 8 de agosto de 2018
Pará
“Estamos no meio, ilhados. Só o que a gente vê é agrotóxico”, diz apicultor de Mojuí dos Campos
“O Brasil não teria uma safra de 230, 240 milhões de toneladas se nós não usássemos esses produtos [os agrotóxicos], porque o Brasil é um país tropical, com alta temperatura, alta umidade, propício a pragas, insetos e plantas daninhas também. Então, é necessário o uso sim, e por isso nós defendemos.”O ministro da Agricultura Blairo Maggi disse essas palavras em entrevista concedida à TV NBR alguns dias após a aprovação do Projeto de Lei 6.299/2002, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. A proposta, que ainda precisa passar pelo plenário, ficou conhecida como Pacote do Veneno, pois muda as regras para permitir o uso de novos agrotóxicos no Brasil.
No Planalto Santareno, localizado no meio da Amazônia, à oeste do estado do Pará, em latitude próxima à linha do equador, com temperaturas e umidades muito elevadas o ano inteiro, o fenômeno da mortandade de abelhas pode estar indicando que o uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras de soja dos municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos chegou a um perigoso limite.
A bióloga Mayá Schwade avaliou a situação. “O que a gente vê na região do planalto é que está havendo uma modificação da forma de agricultura, que era mais tradicional e dependente da floresta, com uma relação de agroextrativismo, de plantio e de coleta. Agora a gente vê muitas áreas tendo corte raso, a remoção de todas as espécies de plantas da floresta. Os recursos vão diminuindo e as abelhas vão tendo que procurar outros locais, também para produzir seus ninhos, onde elas desenvolvem suas colônias. E no caso de abelhas individuais, que não vivem de forma coletiva mas precisam de troncos, precisam da terra.
A partir da denúncia dos produtores de mel, também vem acompanhando a mortandade das abelhas na... |
As lavouras de soja dominam a paisagem também na área urbana de Belterra, ocupando grandes áreas entre os quarteirões residenciais que foram planejados no auge da exploração de borracha na primeira metade do século passado. Marcus Bezerra, apicultor que mora com sua família no bairro Portão de Belterra, observa que “infelizmente, a gente vê que até dentro da própria cidade, por exemplo, aqui, ao redor da escola e do posto médico. Há 50 metros do posto médico tem uma plantação de soja. Os pacientes vão lá, tem dia que está sendo atendido e estão passando veneno, agrotóxico do lado. Já é ruim pra saúde, imagina pras abelhas que não sabem às vezes nem se prevenir, do uso, do cheiro do agrotóxico.”
Mazinho, apicultor e meliponicultor, que possuiu uma pequena propriedade rural localizada na comunidade de Tracuá, onde viviam seus parentes até a chegada da soja, lembra que “antes a gente produzia até 200 quilos, ou mais de 200 quilos [de mel]. Quando eu comecei a criar mesmo, era outra coisa. Você tirava mel até três vezes numa melgueira. Hoje em dia você não consegue mais, no máximo uma ou duas vezes. Hoje em dia você vê que estamos no meio, ilhados. Só o que a gente vê é isso, agrotóxico.”
O agrônomo, pesquisador e professor da UFPA, Plácido Magalhães, esteve na cidade de Santarém em junho, a convite do Ministério Público do Estado do Pará, para participar do Fórum de Combate aos Impactos Causados pelos Agrotóxicos, ocasião em que fez avaliações sobre o que está ocorrendo na região. “A coisa começa a complicar para as abelhas porque na região de Belterra, onde existem muitos criadores de abelhas, o histórico que a gente tem visto é uma diminuição do número de ninhos, as abelhas desaparecendo ou morrendo, provavelmente por esse contato com esses produtos químicos, ou a própria diminuição da área que elas forrageavam antes”, conta Plácido.
Túlio Novaes, promotor do Ministério Público do Estado do Pará que participa do Fórum Permanente de Combate aos Agrotóxicos na Região do Baixo Amazonas e que, a partir da denúncia dos produtores de mel, também vem acompanhando a mortandade das abelhas na região, aponta alguns encaminhamentos:
“O pressuposto é a formação de prova. Nós já estamos juntando estudos técnicos realizados na região. Provavelmente nós devemos adotar em momento inicial o caminho da tratativa administrativa do problema, chamar esses usuários desses produtos, ver o que de fato pode ser feito, quais compromissos podem ser firmados. A partir daí, detectado que essas pessoas não estão cumprindo, ou que o problema não foi mitigado, nós podemos entrar com as ações contra esses mesmos utilizadores dos produtos agrotóxicos. Essas Ações Civis Públicas (ACPs) podem culminar até com a interrupção da atividade, dependendo do nível do problema.”
Preocupada com o declínio das populações de abelhas em várias regiões do Brasil, o Ibama publicou, em 9 de fevereiro de 2017, a Instrução Normativa (IN) n° 02/2017, estabelecendo “diretrizes, requisitos e procedimentos para a avaliação dos riscos de ingredientes ativos de agrotóxicos para insetos polinizadores.” A norma, destinada a agrotóxicos, é a primeira a estipular critérios de decisão com base na probabilidade de uma espécie ser afetada pela exposição a agrotóxicos.
Segundo o próprio Ibama, “o objetivo é oferecer mais proteção a abelhas e outros polinizadores.” Mas como o Ibama perde importância nas decisões sobre agrotóxicos, conforme o Projeto de Lei 6.299, de autoria do agora ministro Blairo Maggi, o que sobra, além das abelhas mortas embaixo das colméias, é a capacidade de mobilização da sociedade, dos movimentos e das pessoas que percebem o que está em jogo.
As informações são do repórter Bob Barbosa
Edição de Daniela Stefano
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