quinta-feira, 26 de abril de 2018
Encontro histórico marca primeira visita de um presidente norte-coreano ao país vizinho

Nesta sexta-feira (27), os líderes das Coreias do Sul e do Norte se reunirão na localidade fronteiriça de Panmunjeom, marcando a primeira vez que um mandatário do norte atravessará a Zona Desmilitarizada (ZDC) que divide as duas nações. Dois presidentes sul-coreanos Kim Dae-jung e Roh Moon-hyn já haviam realizado encontros com Kim Jong-il, pai do atual comandante norte-coreano, em 2000 e 2007, respectivamente, mas não chegaram a grandes transformações na condução das tensões entre os dois países.

É importante registrar que não existe tratado de paz entre as duas Coreias, em uma guerra que está em cessar-fogo desde 1953 (para entender melhor a crise na península coreana, leia o dossiê da Tricontinental em inglês ou espanhol). O fim do conflito foi discutido nas reuniões de cúpula ocorridas em 2000 e 2007, mas não avançou muito. Há expectativa de que a questão volte à pauta neste novo encontro, o que confere grande relevância para a viagem de Kim Jong-un a Panmunjeon.


Política do Sol

Outro fato importante é que, logo após a posse do presidente sul-coreano Moon Jae-in, o país vizinho fez um teste com mísseis balísticos. Mesmo assim, o novo mandatário anunciou, para compor seu governo, dois nomes importantes na longa história de tentativas de melhorar o relacionamento entre as duas Coreias o primeiro-ministro Lee Nak-yeon e o chefe da Inteligência Suh Hoon , apesar da pressão dos Estados Unidos, do Japão e de parte dos poderes de seu próprio país para evitar a chamada Política do Sol de reaproximação das duas nações.

Panmunjeom, local onde os líderes das duas Coreias se reunirão. / Corpo de Imprensa da Cúpula Intercoreana.
O governo da Coreia do Norte continuou com o que parecia um cronograma beligerante de testes com mísseis e armas nucleares. Com a reação ruidosa e belicosa do presidente dos EUA, Donald Trump, parecia de fato que a guerra se colocava como uma realidade no horizonte da península do Oriente. Mas o que os estadunidenses não calculavam é que os norte-coreanos estavam menos interessados no conflito e mais investidos em garantir uma boa posição de negociação quando se reunissem com o vizinho do sul.


Guarda-chuva nuclear

Foi inteligente a decisão norte-coreana de anunciar, na semana passada, que interromperia os testes nucleares em Punggye-ri. A medida fez parecer que o país tinha intenções sérias de acabar com a tensão nuclear na região, mesmo que o gesto, na verdade, tenha acontecido em novembro mas ninguém estava prestando atenção. O local em si já estava deteriorado e seria pouco provável que se pudesse conduzir testes ali no futuro. Ainda assim, a ação produziu o efeito esperado: mostrou ao mundo que a Coreia do Norte está disposta a fazer concessões no âmbito nuclear.

Como dizem os diplomatas norte-coreanos, na verdade, o país não está disposto a entregar seu arsenal nuclear. Eles citam o caso da Líbia, onde o líder Muammar Qaddafi abriu mão de seu programa nuclear e viu o país ser destruído por uma guerra promovida pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Já a Coreia do Norte não está disposta a acreditar na palavra dos Estados Unidos, entendendo, nas declarações de Trump sobre o acordo com o Irã, que não é possível confiar em um aperto de mãos com Washington. Mais provável que a desnuclearização é a possibilidade de as

duas Coreias transformarem o armistício de 1953 em um acordo de paz e aumentarem o nível de cooperação para além da ZDC.

Poderio estadunidense

Mas seria um tratado de paz entre a Coreia do Sul e do Norte suficiente? Afinal, uma das partes beligerantes da situação são os EUA. Foram eles que participaram da guerra entre 1950 e 1953. São bases estadunidenses com cerca de 35 mil soldados que abarrotam a Coreia do Sul, enquanto outros 40 mil estão no Japão. Navios e aeronaves de guerra com capacidade nuclear estão constantemente atravessando os mares e o ar próximo dos norte-coreanos. Se o país sob comando de Trump decidir não participar do fim da guerra, a guerra não acabará de verdade. Esse é um problema sério para Moon Jae-in, pois o líder sul-coreano não pode assinar o tratado em nome dos Estados Unidos.

A ministra das Relações Exteriores da Coreia do Sul, Kang Kyung-wha, reuniu-se com Susan Thornton, nomeada por Trump para o Departamento de Estado para Ásia Oriental e Pacífico. Lee Do-hoon, da divisão intercoreana de negociações de paz, reuniu-se com Kanasugi Kenji, do Ministério de Relações Exteriores do Japão. Os dois encontros tiveram o objetivo de garantir aos estadunidenses e japoneses que os sul-coreanos veem o diálogo como parte de um processo que não deve ser prejudicado. Talvez não saia nada de espetacular e significativo da reunião desta sexta, mas ela deve, mesmo assim, ser considerada significativa pelo simples fato de ocorrer.


As informações são do repórter Vijay Prashad
Tradução de Aline Scátola
Edição de Fernando Atallaia

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