segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018
Tendo como ritmo hegemônico o funk carioca, a rua do Bonfim é tomada por uma maioria de foliões brancos
A Praça João Alfredo é um dos focos do Carnaval de Olinda. Diante da Igreja de São Pedro circulam dezenas de blocos, troças e milhares de foliões a cada dia de carnaval. Mas a poucos metros de lá o cenário é um tanto diferente. Não pela quantidade de pessoas, que na rua do Bonfim também tem muitas, mas pelo ritmo: quem dita as regras no Bonfim é o funk.Saindo da Praça João Alfredo e pegando a Ladeira da Sé, o segundo cruzamento é um tanto complicado. É a rua do Bonfim. Muita gente circulando e mais gente ainda parada. Ao entrar na rua os foliões, e principalmente a foliãs, podem se deparar com verdadeiros “corredores poloneses” de homens sem camisa, exibindo o resultado de muito treino na academia e tentando arrancar beijos de suas escolhidas.
Mais adiante, onde a rua fica mais larga, as rampas estão tomadas de gente. A grande maioria conversando, paquerando. Quase ninguém está dançando e, em comparação com as demais ruas da cidade histórica, no Bonfim pouca gente está circulando. Bom para o comerciante Romário Pereira, que desde 2017 vende suas cervejas no Bonfim. “O pessoal ficar parado é melhor para a gente, porque vendemos mais”, informa. Ele, que entre 2014 e 2016 trabalhou vendendo no Recife Antigo, considera que no Carnaval de Olinda o comércio é mais organizado – apesar de reconhecer que quase metade dos vendedores não driblaram o cadastramento da Prefeitura.
O folião Gustavo, de 18 anos, conheceu a rua do Bonfim em 2017 e quis repetir a dose este ano. “Ano passado tinha muita música aqui e uma galera legal, mais parecida comigo, mais da área onde moro”, diz o jovem morador do Espinheiro, bairro nobre da zona norte do Recife. “Mas este ano estou achando um pouco pior, porque não tem mais música, não tem nada que faça a gente dançar, socializar. Mas continuo aqui porque tem a galera do Espinheiro, Graças, Rosarinho”, reitera, citando três dos bairros com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da capital pernambucana.
No ano passado, recorda Gustavo, “o pessoal colocava som paredão e todo mundo ficava dançando. E acho que este ano o pessoal veio com isso na cabeça, mas acabou se decepcionando, mas continua aqui”, avalia. “O diferencial daqui era a música, que era constante, enquanto noutras ruas o pessoal ficava parado esperando os blocos passarem. Mas este ano não tem mais música e ficamos esperando os blocos passarem. Acabou se tornando a mesma coisa das outras ruas”, lamenta.
Mais adiante, onde a rua fica mais larga, as rampas estão tomadas de gente. A grande maioria conversando, paquerando. Quase ninguém está dançando e, em comparação com as demais ruas da cidade histórica, no Bonfim pouca gente está circulando. Bom para o comerciante Romário Pereira, que desde 2017 vende suas cervejas |
Rua branca
Camila está em Olinda pelo terceiro Carnaval consecutivo e elegeu a rua do Bonfim como sua favorita. “Aqui tem muita gente diferente e tem muita gente, muitas opções para paquerar”, diz, entre risos. “Certas ruas são limitadas a certo tipo de gente, mas aqui é bem misturado, bem democrático”, considera ela. Mas quando perguntada sobre os tons de pele das pessoas na rua do Bonfim, Camila, que é negra, admite: “aqui tem menos negros que noutras ruas de Olinda, realmente. Mas não sei o motivo”.
Já Gustavo discorda. “Acho que aqui tem a mesma quantidade de negros e pardos que vejo noutros lugares”, diz o morador do Espinheiro. Adepto do cabelo no estilo black power, ele se considera pardo e admite que nunca parou para reparar na disparidade entre quantidade de negros naquela rua em comparação às demais, mas a princípio discorda da afirmação de Camila.
O vendedor de cervejas Romário, que é negro, considera que a rua do Bonfim tem um perfil diferente dentro da folia em Olinda. “Aqui tem muito branquinho. Dá para ver que é diferente das outras ruas. Não tenho problemas com 'playboy' não, mas aqui tem muita gente com jeito de 'metido', muito universitário da católica”, tentou resumir o comerciante. Ele disse ainda que as meninas “se vestem no mesmo estilo” e que os homens são “musculosos”.
Pouca diversidade
Romário também destacou o fato de só ter visto um único beijo LGBT em dois dias de Carnaval. “Vi duas meninas se beijando, mas foi a única vez. É muito diferente de outros lugares”, considera. Camila discorda. Ela diz que anda com amigos gays e consequentemente viu muitos beijos LGBT naquela rua. Mas Gustavo também considera isso um evento pouco comum. “Aqui é mais difícil. Eu só vi 1 ou 2 beijos LGBTs, enquanto noutros lugares vejo muito mais gente curtindo sem preconceitos. Aqui não vejo preconceito, mas também não vejo as pessoas tão à vontade. Por mim poderia rolar sem problemas, mas aqui tem muito mais heterossexuais e as pessoas são mais contidas em relação a isso”.
Assédio
Durante as horas que a reportagem esteve no local, foram frequentes as investidas masculinas contra mulheres. Puxões pelo braço, pelo cabelo e até pelo pescoço incomodaram muitas foliãs, que algumas vezes foram pressionadas com um coro (majoritariamente masculino) gritando para ela beijar aquele que a perturbava. A turista Camila Cristina considera que aquela atitude é muito comum ali, mas preferiu não usar adjetivos para avaliar.
Já Gustavo avalia que pode haver mais assédio, mas diz não ter visto. “Aqui os homens chegam mais, falam mais, então consequentemente vai ter mais assédio. Mas eu não vi. Acho que no Carnaval inteiro não vi nenhum tipo de assédio. Acho que as meninas estão dizendo 'não' e os homens estão entendendo mais. Todo mundo está dizendo que 'não é não'”, pontua Gustavo, um tanto otimista. Mas pondera. “Mas ainda existem esses grupos que ficam gritando 'beija, beija' e muitas vezes as garotas nem querem, mas acabam beijando por pressão, já que se elas não beijarem todo mundo vai vaiá-las”.
As informações são do repórter Vinícius Sobreira
Edição de Monyse Ravena
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