quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
Alvo de dezenas de informações falsas difundidas na Web durante as eleições presidenciais francesas em 2017, conforme noticiado pelo...

Por Saulo de Assis

Alvo de dezenas de informações falsas difundidas na Web durante as eleições presidenciais francesas em 2017, conforme noticiado pelo Observatório da Imprensa, o presidente Emmanuel Macron anunciou recentemente a intenção de criar uma lei para combater os impactos das fake news em períodos eleitorais. Durante um encontro com jornalistas , Macron ressaltou a necessidade de “atualizar o dispositivo jurídico” francês, visando “proteger a democracia de falsas informações em períodos eleitorais”.

De acordo com o presidente, o objetivo da lei é obrigar as plataformas digitais a adotarem mecanismos de transparência em relação a todos os conteúdos patrocinados, visando tornar pública a identidade dos anunciantes. “No caso de propagação de falsas notícias, será possível recorrer ao juízo por meio de liminares que poderão, caso necessário, determinar a exclusão de um conteúdo e de seus resultados em sites de busca, excluir a conta de usuários e até bloquear o acesso a um site”, informou.

Ainda em relação ao combate às fake news, Emmanuel Macron afirmou que se trata de uma luta na qual é preciso definir o que pertence ao campo da desinformação, da propaganda política ou da liberdade de expressão. Nesse sentido, o presidente citou a necessidade de uma reflexão “deontológica acerca da profissão de jornalista”, ressaltando o trabalho da ONG Repórteres sem Fronteiras na criação de uma certificação para meios de comunicação que “respeitam a deontologia da profissão”.

No campo da comunicação audiovisual, o presidente francês afirmou ainda ser preciso fortalecer os poderes do CSA (Conselho Superior do Audiovisual) para “lutar contra toda tentativa de desestabilização de serviços controlados ou influenciados por países estrangeiros”, podendo levar até mesmo à “suspensão ou anulação” de licenças para atuar na França. De acordo com Macron, tal alteração nas atribuições do CSA será objeto de uma nova lei do audiovisual, que está sendo formulada sob a supervisão de Françoise Nyssen, Ministra da Cultura, e deverá ser apresentada ao Conselho dos Ministros antes do final de 2018.

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Deixando tão somente dúvidas, incredulidade e até desconfiança.
Diante da intenção do presidente francês em criar uma lei para combater as fake news, os grandes jornais da imprensa francesa reagiram, para dizer o mínimo, com ceticismo. Em editorial publicado um dia após o anúncio de Macron, o Le Monde classificou a proposta como “louvável”, mas que pode colidir diante de uma “realidade complexa”. A publicação classifica como “naturalmente perigosa” esta “ambição legislativa, dentro de uma área complexa e em mutação como as tecnologias digitais, e acerca de um tema crucial como a liberdade de imprensa”.

Em entrevista concedida ao jornal Libération, Patrick Eveno, presidente do Observatório francês de deontologia da informação, afirma que uma nova legislação, “ultra-espinhosa” para ser aplicada, não resolverá o problema, e que a solução passa mais por uma ação conjunta entre as mídias, os jornalistas e os públicos, visando uma melhor transparência às informações difundidas na Web. Em relação ao controle dos conteúdos patrocinados, o jornal afirma que o embate com a neutralidade da Web e a liberdade dos anúncios comerciais deverá causar um “grande quebra-cabeça jurídico”.

Reagindo de maneira negativa à proposta de Emmanuel Macron, as publicações Challenges e L’Express destacam ainda o fato de já existirem leis para punir as fake news. No artigo “Porque a lei de Macron anti-fake news é inútil e impossível”, a revista Challenges destaca que a proposta do presidente francês corre o risco de infringir a liberdade de expressão e que já existem respostas judiciais sobre o tema, tornando a proposta “supérflua”, conforme relatado à publicação por Emmanuel Pierrat, especialista em direito midiático e em propriedade intelectual.

O jornal semanal L’Express destaca que a maioria dos casos de fake news já estão previstos em lei, seja nos casos de injúria e difamação – pela Lei de Liberdade de Imprensa de 29 de julho de 1881 – seja nos códigos penal, financeiro/monetário ou eleitoral. Além de ressaltar a previsão legal de punir as informações falsas, a publicação indica ainda a dificuldade em classificar uma fake news. “É preciso fazer uma boa distinção entre informações erradas e deliberadamente falsas […]. A armadilha neste caso é de buscar a erradicação de todos os conteúdos falsos em detrimento da triagem feita por pessoas de boa-fé na busca de informações”, destaca Adrien Sénécat, jornalista entrevistado pelo L’Express.

Ainda que reaquecido pelo termo fake news e pelas últimas disputas eleitorais no mundo, a disseminação de informações falsas não é nenhuma novidade, seja na Web, seja nas demais mídias. Ao mesmo tempo em que se observa um aumento no número de mentiras espalhadas pela rede, é possível verificar que o sistema judiciário já possui mecanismos de combate a tais informações, ainda que seja necessário uma atualização diante das novas mídias digitais. Neste sentido, iniciativas como a do presidente francês podem contribuir com o debate, mas a falta de clareza e da apresentação exata dos termos do projeto de lei acerca de um tema naturalmente sensível e controverso pouco acrescenta ao debate neste momento, deixando tão somente dúvidas, incredulidade e até desconfiança.


Saulo de Assis é jornalista, mestre e doutorando em Ciências da Informação e Comunicação pela Universidade Bordeaux Montaigne.

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