sábado, 20 de janeiro de 2018
As 13 crianças sequestradas pelos
pais dormiam de dia e tomavam banho uma vez por ano
Nunca tinham visto um policial ou
um remédio.
Viviam de noite e dormiam de dia,
por isso há anos ninguém os via. As crianças não comiam, não viam a luz do sol,
não sabiam o que era um policial ou um remédio. Há dois anos estavam planejando
a fuga. Finalmente, uma garota de 17 anos reuniu coragem suficiente para sair
por uma janela de sua casa, ligar para a polícia e trazer à luz um dos casos
mais terríveis de abuso infantil já visto nos Estados Unidos. Na quinta-feira
foram conhecidos os primeiros detalhes da casa dos horrores de Perris,
Califórnia, onde a polícia encontrou 13 irmãos entre dois e 29 anos, subnutridos
e malcheirosos, sequestrados por seus próprios pais.
A conferência de imprensa do
promotor do distrito de Riverside, Mike Hestrin, para explicar as acusações
contra David e Louise Turpin revelou o inferno que estava escondido em uma casa
de classe média a 120 quilômetros a leste de Los Angeles e que foi descoberto
pela polícia às 7h da manhã do domingo, dia 14 de janeiro.
A família inteira dormia às 5h ou
6h da manhã, disse o promotor. Dormiam o dia todo e ficavam acordados a noite
toda. A casa fedia. As crianças só tinham permissão de tomar banho uma vez por
ano. Se lavassem as mãos acima dos pulsos, eram punidos pelos pais por
desperdiçar água.
Essas punições incluíam surras e
estrangulamento, mas principalmente consistiam em amarrá-los aos móveis. No
início, amarravam com cordas. Depois que um escapou, começaram a usar correntes
e cadeados. Essas punições “duravam semanas ou meses”.
Na manhã de domingo,
três crianças estavam acorrentadas quando a polícia chegou na casa dos Turpin.
Dois deles, de 11 e 14 anos, foram desamarrados antes que os agentes entrassem
na casa. Uma jovem de 22 anos continuava algemada. “Pelas provas encontradas na
casa, não tinham permissão de ir ao banheiro” quando estavam de castigo.
A única atividade permitida para as
crianças, aparentemente, era escrever diários. Há centenas de diários, afirma o
promotor, que são considerados essenciais para a investigação.
Mike Hestrin, promotor de Riverside, anuncia as acusações contra os Turpin. |
A promotoria acredita que o abuso
durou muito tempo, por isso os pais responderão a 12 acusações de tortura e 12
de sequestro. A promotoria de Riverside só se refere aos eventos ocorridos
desde que a família se mudou para a Califórnia em 2010. Primeiro moraram em
Murrieta e, desde 2014, em Perris, dentro do mesmo condado. Antes disso,
moraram em Fort Worth, Texas, por 17 anos. Segundo o promotor, o abuso aumentou
quando se mudaram para o oeste do país. São 12 acusações, não 13, porque o bebê
de 2 anos parecia estar bem cuidado, disse o promotor.
Além das acusações de tortura e
sequestro, vão responder a 7 acusações de abuso de adultos dependentes (pelos
maiores de idade) e 6 acusações de abuso de menores, e pelo menos uma acusação
de abuso sexual do pai sobre uma das meninas.
A promotoria só fez uma breve descrição
da vida dessas crianças, mas foi o suficiente para dar uma ideia do espanto. Um
dos meninos, de 12 anos, tem o peso normal de uma criança de 7 anos. Outra
irmã, de 20 anos, pesa 37 quilos. A que conseguiu escapar e denunciar tinha 17
anos. Quando os policiais foram ao seu encontro pensaram que tinha 10.
Os 13 filhos estão hospitalizados e
recebendo alimentação para se recuperar. Nenhum deles tinha visto um médico em
pelo menos quatro anos. Além disso, pelas primeiras entrevistas com eles,
muitos não têm conhecimento básico sobre a vida. Algumas crianças não sabiam o
que era um policial. Quando perguntaram à de 17 anos se havia remédios em casa,
perguntou o que era um remédio.
David Turpin tinha um emprego, mas
o promotor não especificou qual era. Segundo informou o The New York Times
na terça-feira, ele trabalhava como um empreiteiro para empresas de defesa e
ganhava 140.000 dólares por ano. A família tinha quatro carros.
O abuso parecia também ter uma
dimensão psicológica, um nível especial de crueldade. Os pais compravam comida,
comiam na frente das crianças e não dividiam com eles. Compravam bolos, disse o
promotor, deixavam sobre a mesa e proibiam que fossem tocados. Na casa havia também
muitos brinquedos. Mas estavam em suas caixas. As crianças não tinham
autorização de tocá-los.
“Esse é um comportamento
depravado”, resumiu o promotor Hestrin. “Como promotor, há casos que nos afetam
e atormentam. Às vezes você vê pura depravação humana. É o que estamos vendo
aqui”.
Ainda há muitas questões sem
resposta. Onde nasceram essas crianças (a promotoria acredita que foi em
hospitais), como ninguém percebeu nas extensas famílias de David e Louise
Turpin, como pelo menos um dos mais velhos conseguiu ir à escola sem levantar
suspeitas (a mãe o levava, esperava na porta, e trazia de volta para a casa). A
investigação sobre o maior horror infantil dos últimos tempos está apenas
começando. “Alguém deve ter visto algo, alguém deve saber de algo, precisamos
da sua ajuda”, disse o promotor Hestrin.
AS INFORMAÇÕES SÃO DO REPÓRTER PABLO
XIMÉNEZ DE SANDOVAL
EDIÇÃO DE FERNANDO ATALLAIA
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