segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
Legado deixado pela banda atravessa décadas
Fãs pedem retorno
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O Hojerizah foi uma das bandas mais talentosas e criativas que a música brasileira já produziu.
O Hojerizah foi uma das bandas mais talentosas e criativas que a música brasileira já produziu. O grupo lançou apenas dois discos, “Hojerizah”, de 1987 e “Pele”, de 1988, mas, algumas músicas que esses LPs trazem estão as melhores composições do rock nacional, até hoje. “Senhora feliz”, “Setembro” e “A lei”, por exemplo, possuem melodias e letras fortíssimas, que impressionam por serem atemporais. 

Como todo grande artista deste país, que não esteja atrelado ao “sucesso comercial”, o grupo não obteve o reconhecimento merecido. Para recontar essa história, o Cwb Live apresenta uma entrevista exclusiva com o vocalista Toni Platão, o baterista Alvaro Albuquerque e o baixista Marcelo Larrosa, passando a limpo a trajetória do Hojerizah

Os primeiros passos

A saga do grupo teve início em 1983, no Rio de Janeiro. Pouco antes do grande boom do rock brasileiro, alguns amigos se reuniam para começar a tornar realidade um antigo sonho. “Eu tentava fazer algo com uma guitarra e o Larrosa já tirava um baixo, de ouvido, com dignidade. Levávamos algo que chamávamos de som e queríamos montar uma banda. Na verdade ‘montar uma banda’ era uma ideia fixa na nossa cabeça”, relembra Toni Platão, um dos maiores vocalistas de sua geração.
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Os amigos Toni e Larrosa não tinham ideia de que formariam uma dos grupos mais influentes da história do rock nacional. “Tudo começou quando eu namorei a irmã do Toni.
Os amigos Toni e Larrosa não tinham ideia de que formariam uma dos grupos mais influentes da história do rock nacional. “Tudo começou quando eu namorei a irmã do Toni. Nenhum dos dois tocava qualquer coisa. Ele era um cara do futebol e eu era asmático. Entramos para a mesma faculdade, a Universidade Federal Fluminense (UFF), ele no curso de física e eu em arquitetura. Lá conheci dois caras que se inscreveram no festival da Hebraica e precisavam de um baterista. Eu disse que tocava, mas não tinha uma”, conta o baixista.  

Após esse contato inicial, a banda acabou encontrando uma baterista, que possuía o instrumento, e Larrosa foi novamente convidado, desta vez para ser o baixista do grupo. “Minha carreira musical começou de uma grande mentira. Arrumei um baixo, emprestado durante uma semana por um aluno meu, e fomos tocar no festival. Era um rock progressivo do Léo Gatti, um músico que mora em Mauá há muitos anos. Na bateria estava o Rogério Vieira, que viria a se tornar baterista do Hojerizah, anos depois. A primeira vez que ele sentou na bateria foi na passagem de som. Apesar disso tudo, fomos bem”, relembra.


A parceria com o cantor Toni Platão, que foi assistir ao show ao lado de sua irmã, começaria nesse encontro, ainda de forma tímida. “Ele me disse que arranhava um violão. Eu comprei um baixo e começamos a tocar no quarto dele. Logo depois ele largou a UFF e se transferiu para o curso de jornalismo da Faculdade da Cidade. Eu larguei a arquitetura e passei uns seis meses em Aracaju, onde fiz meu o primeiro show profissional com Lula Ribeiro, que mora há muitos anos no Rio de Janeiro”, conta o baixista.
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De volta ao Rio, após esse período no Sergipe, Larrosa recebeu um golpe do destino ao conhecer responsável pela canção mais conhecida do Hojerizah: “Pro’s que estão em casa”.
De volta ao Rio, após esse período no Sergipe, Larrosa recebeu um golpe do destino ao conhecer responsável pela canção mais conhecida do Hojerizah: “Pro’s que estão em casa”. A música foi muito tocada nas rádios rock de todo o país, na época. “Na volta desta viagem comecei a frequentar o ‘Mosca’, um boteco ao lado da faculdade do Toni onde vários profissionais do álcool se reuniam antes das aulas. Lá eu conheci o Rômulo Portela que, depois, seria o autor de ‘Pro’s que estão em casa’ e ‘Dentes da frente’, e Manolo Kaos Martins, que tinha uma banda com o Flávio Murrah”, relembra. 

Nesse ponto da história do Hojerizah, começa a aparecer um dos principais personagens na construção do que viria a ser a banda, o gênio Flávio Murrah. “Voltando à comunicação, na turma que entrei em março de 1982 estava o Manoel Martins, então Manolo Kaos. Ele escrevia letras e delas fazia canções com um antigo colega de colégio, Flávio Murad, depois Murrah. Numa doideira típica da época, e da idade, Manoel me mostrou ‘Não sou normal’ e ‘Tratamento de choque’, duas canções muito interessantes”, conta Toni.

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Nesse ponto da história do Hojerizah, começa a aparecer um dos principais personagens na construção do que viria a ser a banda, o gênio Flávio Murrah.
O embrião do grupo estava ali, pronto para dar os seus primeiros passos. Ao marcarem um encontro para assistir a um show no bar Western Club, estava armado o cenário para o surgimento da banda. “Feitas as devidas apresentações, acho que se pode dizer que nasceu o Hojerizah. Manolo no vocal, Flávio na guitarra solo, Larrosa no baixo e eu na guitarra base”, relembra Toni.

O nome do grupo remete à palavra “ojeriza”, que é um sinônimo de aversão. A sugestão foi de Manolo. “Foi dele a ideia do Hojerizah. Já tinha o nome e tudo, depois só acrescentamos os dois ‘H’ para dar uma aproximada com ‘hoje’. Uns seis meses depois, o Flávio Murrah também entrou para a faculdade e passamos a tocar na casa do Toni”, conta Larrosa. 

Pouco tempo depois, o quarteto se apresentava ao vivo pela primeira vez. “O Ivo Ricardo, baixista da banda Água Brava e colega de faculdade, nos escalou para tocar na festa de formatura da turma de 1982, no salão nobre do glorioso Fluminense Futebol Clube. Conheci um baterista no lendário Western Club, o primeiro palco exclusivo do rock carioca, e tocamos umas cinco músicas”, conta Larrosa. 

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Depois desta estreia, eles se “concentraram” durante dez dias na fazenda do pai de Toni Platão, onde ficaram compondo e aprendendo as músicas compostas por Flávio e...
Depois desta estreia, eles se “concentraram” durante dez dias na fazenda do pai de Toni Platão, onde ficaram compondo e aprendendo as músicas compostas por Flávio e Manolo. Após esse período, um novo show foi marcado, em fevereiro de 1983, desta vez no Western Club, no Rio de Janeiro. Foi aí que o destino forjou o que seria um dos diferenciais do Hojerizah: os vocais. “Uma semana antes o Manolo nos disse que não iria cantar, que a onda dele era formar a banda, e só. Ele queria ser jornalista e a sua missão estava cumprida: juntar o Flávio à nós”, relembra Larrosa.

Arrumar outro vocalista, o que normalmente seria um grande problema, se tornou uma coisa fácil, pois ele já estava ali. “Fizemos testes para ver quem cantaria. Eu e o Flávio não conseguíamos cantar e tocar ao mesmo tempo. Eu mal sabia tocar. Toni era ainda pior na guitarra base e foi, então, escalado para o posto. Ele tocava apenas em algumas músicas instrumentais. Assim começou a banda”, relembra o baixista. O destino colocava, à frente do Hojerizah, uma das maiores vozes da música nacional: Toni Platão. “Como eu estava meio ‘inútil’ na guitarra, tive que assumir o vocal. Minha vida de cantor começa assim, por acaso”, explica Toni.
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O embrião do grupo estava ali, pronto para dar os seus primeiros passos. Ao marcarem um encontro para assistir a um show no bar Western Club, estava armado o cenário para o surgimento da banda.
Após muitos ensaios, e com uma formação definida, o mítico bar carioca testemunhou o nascimento de um dos grandes nomes do rock brasileiro. “Tocar no Western era nosso sonho de consumo. Tanto que, depois de conseguir, só fomos tocar em outro lugar depois que o bar fechou. Às vezes penso que, se não tivesse fechado, poderíamos estar lá até hoje, tocando, bebendo e pendurando as contas. Vi muita gente boa tocando por lá, como o Paralamas. Hoje a casa é um centro espírita. Sério!”, brinca Toni. 

O posto de baterista foi o que mais teve substituições no grupo, até a entrada de Alvaro Albuquerque. “Primeiro foi o Rogério, depois o Eduardo, o Paulo Henrique e, de volta, o Rogério, isso tudo entre dezembro de 82 e algum lugar de 84, quando o Alvaro entra e, de fato e de direito, assume o posto de batera do Hojerizah, fixando a formação clássica da gente”, conta Toni.
Alvaro daria ainda mais criatividade ao som do grupo. “O Rogério, baterista deles, era meu aluno de bateria. Além de aulas, eu também alugava o meu estúdio para outras bandas ensaiarem, entre elas o Hojerizah. Quando o Rogério quis sair, o Toni, o Flávio e o Marcelo me chamaram, e eu prontamente aceitei”, relembra Alvaro.

Influências

As influências que o grupo incorporava iam do jazz à música brasileira. “Led Zeppelin, desde sempre, e todos os grandes, de Pink Floyd a Deep Purple, sem esquecer de Beatles, Santana e Neil Young. Mas eu ouvia também desde A Cor do Som e Miles Davis até muito som instrumental. Eu, com certeza, era mais tradicional. Eles eram mais antenados. Através deles eu conheci Echo, Smiths, Tears for Fears etc”, conta Alvaro.
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Segundo Larrosa, o rock and roll tradicional era uma referência muito forte para todos. “Toni era fã de Queen, Elvis e Roberto Carlos, tinha pouca cultura musical além disso. Eu era muito eclético, ouvia muita coisa, mas tinha os dois pés no rock progressivo. Flavio era Zepellin e Stones até a alma”.
Segundo Larrosa, o rock and roll tradicional era uma referência muito forte para todos. “Toni era fã de Queen, Elvis e Roberto Carlos, tinha pouca cultura musical além disso. Eu era muito eclético, ouvia muita coisa, mas tinha os dois pés no rock progressivo. Flavio era Zepellin e Stones até a alma”, afirma.
Entre essas influências, uma seria especial e mudaria os rumos musicais do vocalista Toni Platão: o camaleão David Bowie. “Em um belo dia, Murrah apareceu lá em casa com o ‘Ziggy Stardust’. Foi um divisor de águas para mim. Muitas possibilidades, até então desconhecidas e, sequer imaginadas, se abriram ouvindo aquele disco. Ouço muito esse álbum, até hoje. Acabo de comprar a edição comemorativa dos 40 anos dele”, conta Toni.  

Nessa época, de forma muito diferente de hoje, algumas rádios procuravam levar informação e boa música para o público consumidor de cultura. Em Curitiba, por exemplo, a Estação Primeira formou, musicalmente, toda uma geração de ouvintes trazendo Stone Roses, Stooges, Picassos Falsos e outras referências para os amantes dos bons sons. No Rio de Janeiro não foi diferente, com a famosa “maldita”, a rádio Fluminense FM. “A partir de 83, a nossa fonte de informação musical passou a ser o ‘Rock Alive’, programa do Maurício Valladares na rádio Fluminense. Era quase que uma função religiosa ouvir o programa nas segundas e sextas, às 22h. Eu e o Flávio, geralmente, nos encontrávamos pra ouvir. Era por onde ficávamos ligados no que rolava aqui e fora”, relembra Toni.

O primeiro contrato de gravação

Um dos maiores problemas entre os artistas brasileiros, talvez o maior deles, é conseguir uma gravadora que valorize o trabalho dos músicos. O Hojerizah também encontrou dificuldades. “Foi complicado. Das bandas contemporâneas, creio que fomos os últimos a gravar um álbum. Foi um compacto, em 1984, na BB Records, do Billy Bond, que foi cantor do Joelho de Porco. O engraçado disso é que tínhamos uma proposta pra gravar em um pau-de-sebo da CBS, hoje Sony Music, e preferimos assinar com o Billy para gravar um compacto só nosso. Isso é bem Hojerizah”, relembra Toni. Billy foi uma figura importante nesse começo da banda. “O mais engraçado foi ter conhecido e convivido com Billy Bond, um adorável picareta. Eu era muito fã de Joelho de Porco, foi ótimo”, afirma Larrosa. 

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Um dos maiores problemas entre os artistas brasileiros, talvez o maior deles, é conseguir uma gravadora que valorize o trabalho dos músicos. O Hojerizah também encontrou dificuldades.
Feita a escolha da BB Records, o quarteto entrou em estúdio para gravar a música “Que horror”, o primeiro registro fonográfico do Hojerizah. “Gravamos nosso compacto e fizemos dois clipes muito ‘xexelentos’, mas que passavam direto no programa dele na TV. Por coincidência, o Água Brava era a outra banda do selo BB Records/Polygram. Para a RCA acho que pesou muito a nossa popularidade no Rio de Janeiro. Tínhamos muitos fãs. Eles não podiam ignorar este fato ao montar o selo Plug”, conta Larrosa.

Com a boa repercussão do compacto, principalmente entre os ouvintes da Fluminense FM, o grupo foi convidado para registrar o seu debut. O primeiro LP, intitulado “Hojerizah”, foi gravado pelo extinto selo Plug, criado por Tadeu Valério e Miguel Plopschi e que, na época, abriu espaço para que novas bandas, como o Defalla e o Replicantes, gravassem. “Quem nos chamou para o selo foi o Tadeu Valério. Antes de assinarmos, tínhamos gravado uma demo com quatro músicas, que, curiosamente, teve a participação do saxofonista Ricardo Rente em duas. Apesar de ter sido interessante, pois trouxe uma sonoridade que não estávamos acostumados a ouvir em nossas músicas, nunca aproveitamos esses arranjos em disco”, conta Alvaro. A demo acabou se perdendo na história do grupo. “Eu tinha uma cópia em cassete, emprestei para alguém e, lamentavelmente, nem sei mais onde está”, relembra.  

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A letra de “Senhora feliz”, uma das melhores músicas do disco, também tem as suas histórias. “Ela, apesar de todo o lirismo, vem de uma fase que Flávio estava pegando umas coroas, ou seja, mulheres um pouco mais jovens do que somos hoje”, brinca Toni.
O álbum teve algumas participações especiais. Zé da Gaita tocou na música “Águas”, que acabou não entrando no disco, e o mestre da sanfona, Dominguinhos, emprestou o seu talento para a belíssima “Tempo que passa”. Em “Roma”, como relembra Alvaro, foram usados alguns “recursos” no estúdio. “É uma das músicas do Flávio que mais gosto. Era um clima de fim do mundo. Sempre quis pontuar a tensão da letra e do arranjo de baixo/bateria com algum som inusitado, de vidros sendo quebrados ou algo assim”, conta. E como fazer isso em uma época em que existiam poucos recursos de gravação? Alvaro usou a criatividade. “Na época não existia sampler, então peguei um copo na cozinha da gravadora e, com uma martelada, o espatifei. Gravamos isso em um canal separado e usei em algumas passagens da música”, explica. “Pessoas” também teve a sua dose de experimentação. “Resolvemos, no final da música, desligar o gravador de 16 canais com a master. A música terminava como se houvesse faltado luz no estúdio. O técnico de som não acreditava, falava que era loucura nossa, que nunca ninguém havia feito aquilo com seu gravador”, relembra Alvaro.

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“Belos e malditos” tem um clima soturno impressionante. A criação da letra foi um daqueles momentos “espíritas” que todo compositor tem. “Foi de ‘sopetão’. Assim que terminei a leitura do livro do Scott Fitzgerald, que batiza a canção, ainda deitado na cama, puxei um bloquinho que tinha sempre na mesa de cabeceira e escrevi. Entreguei pro Murrah na hora, a gente era vizinho naquela época. O Flavio musicou e me mostrou no dia seguinte, quase ao mesmo tempo que me pedia o livro emprestado. Ela fala sobre essas rachaduras que a vida vai fazendo na gente, e que não tem mais conserto''.
O processo de gravação em estúdio seguia um certo ritual. “Quando começamos a gravar na RCA, o Flávio aparecia com umas coisas novas e, de última hora, fazíamos jam sessions à tarde e gravávamos à noite. O processo sempre foi este”, conta Larrosa. O guitarrista Flávio Murrah compunha boa parte das músicas e, no estúdio, a banda trabalhava a canção. “O Flávio vinha com a música quase pronta e o arranjo era coletivo. O Alvaro tinha muita importância nesta hora. Para os LPs, o Flavio começou a vir também com a letra pronta. Antes tinham mais letras em conjunto, minhas ou do Toni”, relembra Larrosa.

A letra de “Senhora feliz”, uma das melhores músicas do disco, também tem as suas histórias. “Ela, apesar de todo o lirismo, vem de uma fase que Flávio estava pegando umas coroas, ou seja, mulheres um pouco mais jovens do que somos hoje”, brinca Toni. O vocalista deu uma “pequena”, mas fundamental contribuição para a música. “Lembro quando o Murrah me cantou essa letra no baixo gávea. Estava tudo pronto, menos a segunda frase. Eu, em uma fase de ouvir samba, Lupicínio e Paulinho da Viola eram meus prediletos, mandei, na lata, ‘perdido na cadência dos dias’. Junto ao fato do meu canto ter uma impostação, confundida com ópera, advinda da minha fissura adolescente por sambas-enredo, (tinha os discos de 72 até 78), estão aí as contribuições do samba ao Hojerizah”, conta.  

Algumas músicas desse disco se mostram tão fortes quanto na época em que foram criadas. Qualquer amante da boa música brasileira tem, ainda hoje na cabeça, os versos: “Não vou tomar café, nem escovar os dentes. Vou de água ardente, como o sol que queima a praça”. Composta por Rômulo Portela, “Pro’s que estão em casa” traz um universo lírico de boemia e prazeres ao ouvinte. Larrosa acha difícil explicar a música. “Ela é do Rômulo Portela, um ser que veio na mesma nave que o Ziggy Stardust”, brinca. Toni tenta ser direto no seu entendimento da canção. “Bem, conhecendo o Rômulo fica tudo claro. O sujeito não dormiu, virou esperando um telefonema que não veio e ele sai por aí, a todo vapor. Vapor e o que for preciso, evidentemente”, explica. 

A letra de “Senhora feliz”, uma das melhores músicas do disco, também tem as suas histórias. “Ela, apesar de todo o lirismo, vem de uma fase que Flávio estava pegando umas coroas, ou seja, mulheres um pouco mais jovens do que somos hoje”, brinca Toni.  “Belos e malditos” tem um clima soturno impressionante. A criação da letra foi um daqueles momentos “espíritas” que todo compositor tem. “Foi de ‘sopetão’. Assim que terminei a leitura do livro do Scott Fitzgerald, que batiza a canção, ainda deitado na cama, puxei um bloquinho que tinha sempre na mesa de cabeceira e escrevi. Entreguei pro Murrah na hora, a gente era vizinho naquela época. O Flavio musicou e me mostrou no dia seguinte, quase ao mesmo tempo que me pedia o livro emprestado. Ela fala sobre essas rachaduras que a vida vai fazendo na gente, e que não tem mais conserto”, explica Toni.  

Alvaro considera “Belos e malditos” e “Senhora feliz” duas das melhores composições do Hojerizah. “Sempre foram músicas de arrepiar o cabelo. Quando as tocava me sentia em outro plano, era algo quase místico”, afirma.

Pele

O segundo álbum, “Pele”, foi gravado em 1988. Nesse disco houve uma evolução de ideias e melodias que acabaram consolidando um “som Hojerizah”, uma espécie de marca do grupo. “Deve ter sido à base de conhaque Dreher. O segundo disco, aparentemente, é mais coletivo. A banda produziu o disco, o que é um fato raríssimo”, conta Toni.

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Larrosa acredita que o maior tempo tocando juntos, aliado ao toque jazz de Alvaro, seja a receita para essa “mudança” no som do grupo.
Larrosa acredita que o maior tempo tocando juntos, aliado ao toque jazz de Alvaro, seja a receita para essa “mudança” no som do grupo. “Pegue todas aquelas influências da banda e acrescente mais dois elementos: rock inglês dos anos 80 e Alvaro Albuquerque, o mais jazzista e melhor músico do grupo”, explica. Alvaro também acha que essa característica marcante do Hojerizah foi fruto de muito ensaio. “Nossos primeiros anos ensaiando naquele meu estúdio foram fundamentais para forjar nosso som. Nós o chamávamos carinhosamente de ‘Alvarenga Records’. Provavelmente foi nossa época mais feliz e profícua”, afirma. Um dos fatores que contribuíram para que isso acontecesse talvez tenha sido uma melhor divisão entre as participações nas composições. “No primeiro disco só tinha uma letra minha, ‘Belos e malditos’. No ‘Pele’ são quatro as minhas parcerias com o Flávio”, relembra Toni.

Alvaro tem uma admiração especial por uma das canções do disco. “Uma música pouco conhecida, que quase não tocamos em shows e é uma de minhas preferidas, é ‘Fogo’. Composição belíssima, interpretação marcante do Toni e um arranjo elegantíssimo de bateria, baixo, percussão e violão. Sem falsa modéstia, uma pérola da música brasileira, que pouquíssimos conhecem”, desabafa. “Aonde você vai vê na pele o fogo. O fogo não me trai, envolto e incerto. De onde estou não vejo você sorrindo. Clamas ao anjo que ofertou”, diz a letra. 

Toni tem sentimentos diferentes em relação aos dois LPs gravados pelo Hojerizah. “O primeiro disco pra mim é o fruto da nossa melhor fase enquanto uma banda, mas, hoje consigo enxergar melhor a beleza das canções do ‘Pele’. Tecnicamente, o ‘Pele’ é muito mal gravado e mixado, por culpa nossa e de mais ninguém”, define Toni.

O fim do Hojerizah

Um ano depois do lançamento de “Pele”, a banda chegava a um precoce fim, para surpresa dos fãs. Os motivos nunca ficaram claros, pois, na visão do público, o grupo tinha muito mais a oferecer. “Foram sete anos na estrada, de convívio diário, mesmo que social apenas. O desgaste é inevitável. Some a isso o desinteresse de gravadoras e a doença do Flávio. Foi impossível continuar”, afirma Larrosa. “Tudo desmoronava e, em 1989, eu decidi sair fora. Quando comuniquei isso, saímos todos juntos”, relembra Toni. Apesar de terem criado uma das obras primas da música brasileira, a relação entre a banda estava se deteriorando. “Minhas lembranças das gravações são muito ruins. Acho que a única pessoa que falava direito com todos da banda era eu”, conta Toni. 

Entre os ex-integrantes do grupo parece existir uma certeza de que o trabalho que eles se propuseram a realizar foi concretizado. “Duramos o que tínhamos que durar. Relações se desgastam, independente do afeto que se tem pelas pessoas”, afirma Alvaro.

O legado

Uma banda, quando é boa, deixa a sua marca registrada na história, independente do tempo que ela durar. A música está repleta desses fatos, com os ingleses do Stone Roses, só para citar um exemplo. O Hojerizah nunca teve o reconhecimento que merecia, dentro da história do rock brasileiro. “Por um motivo ou outro, não tivemos um reconhecimento a nível nacional que poderíamos ter alcançado”, desabafa Alvaro.

Algumas atitudes tomadas pelo grupo, para manter a sua integridade criativa e moral, podem ter contribuído para que o espaço oferecido para eles, aos poucos, se fechasse. “Um fato foi marcante. Quando fomos a São Paulo divulgar o nosso primeiro LP, fomos claros com o departamento de divulgação da RCA: não faríamos programas infantis”, relembra Alvaro. Essa decisão tinha uma razão de ser, no entendimento da banda. “Nossa música de trabalho, ‘Pro’s que estão em casa’, cita na letra: ‘vou de aguardente’ e ‘quero dar um tapa’. Era inapropriada para crianças. E qual foi o primeiro programa que eles nos mandaram fazer? Um infantil, cheio de criancinhas nos rodeando”, conta Alvaro.
A decisão de não se apresentar no programa era plenamente justificável, afinal os poderosos das gravadoras, normalmente, não possuem o mínimo tato para saber em que segmento da mídia a sua banda se encaixa, colocando os grupos para se apresentar em qualquer espaço disponível. “Recusamo-nos a fazer e, a partir daí, nossa relação com a gravadora ficou tensa. Eles interpretaram como uma rebeldia nossa quando, na verdade, era uma total falta de sensibilidade deles. Nunca mais sentimos da parte da gravadora uma relação de parceria, ficamos queimados com o departamento de divulgação”, relembra Alvaro.

A vida pós Hojerizah

Depois do fim da banda, cada integrante seguiu o seu caminho. Alvaro continuou atuando como músico. Ele foi o baterista da banda que acompanhava Toni Platão, em seu início de carreira solo, além de ter tocado com Ivo Meireles e Tânia Alves. “Outro trabalho do qual muito me orgulho, foi a participação no trabalho solo do Humberto Effe, do Picassos Falsos, um cantor e compositor de primeira grandeza”, afirma Alvaro. Atualmente o baterista é dono, em parceria com a sua esposa, de um bistrô no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, chamado “Da Casa da Táta”.
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Flávio Murrah em aparição recente; carreira solo e fãs espalhados por todo País.
O baixista Marcelo Larrosa também tocou com o ex-vocalista do Picassos Falsos. “A cozinha do Hojerizah foi tocar com ele. Foi uma ótima experiência. Considero o Humberto o mais talentoso compositor daquela geração. Fiquei com ele durante quatro anos. Saí porque tinha que arrumar dinheiro para manter a minha família”, relembra. Larrosa, então, montou uma confecção e uma loja de roupas. “Não deu muito certo e fui trabalhar no estúdio 585, onde fiquei durante seis anos. Lá conheci e toquei com muita gente. No ano 2000 resolvi largar a música e me tornar designer gráfico”, conta. 

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Larrosa nos dias atuais: participações em shows de grandes nomes do Rock nacional, ele acredita num possível reencontro da banda.
Toni Platão está envolvido, até hoje, com a sua carreira solo. No momento, ele está gravou o seu quinto disco, que foi produzido por Berna Ceppas e   lançado  em 2012. Além disso, Toni juntou-se ao guitarrista Dado Villa-Lobos, ex-Legião Urbana, ao baixista Dé, ex-Barão Vermelho e ao baterista Charles Gavin, ex-Titãs em uma superbanda, a Panamericana. O grupo está gravando um disco, que deve ser lançado também neste ano. Toni também trabalha na rádio MPB FM, no Rio de Janeiro, no programa Popbola. “É um programa de rádio, aparentemente, sobre futebol. Já temos dez anos no ar, é um grande sucesso no Rio. Começou na extinta rádio Cidade e hoje encontramos pouso na querida MPB FM. É a minha terapia”, afirma. 

É possível uma nova reunião?

O grupo reapareceu, em 1999 e 2009, para relembrar os velhos tempos de Hojerizah. “Nos reunimos em 1999, dez anos após o término da banda, com intenção de ter nossos dois LPs lançados em CD. Realizamos alguns shows, nos divertimos e conseguimos atingir parcialmente o nosso objetivo. Foi lançado um CD com quase todas as músicas gravadas nos dois LPs”, conta Alvaro.
Sobre a possibilidade da banda voltar a tocar junto, Toni é taxativo.

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Toni juntou-se ao guitarrista Dado Villa-Lobos, ex-Legião Urbana, ao baixista Dé, ex-Barão Vermelho e ao baterista Charles Gavin, ex-Titãs em uma superbanda, a Panamericana.
“Infelizmente, nenhuma”, afirma. Larrosa é mais flexível e deixa em aberto. “Sempre existiu, tanto que comemoramos a cada década o final da banda. Foi assim em 1999 e 2009. Agora comigo aqui é mais difícil, mas nunca se sabe”, explica. Alvaro destaca que o prazer de fazer um som com os seus ex-companheiros ainda existe. “Tocar com o Flávio, o Toni e o Marcelo sempre será uma experiência marcante, mas, uma coisa é levar som com três amigos, outra é se organizar para montar um repertório, ensaiar, agendar shows etc. Podemos até vir a nos reunir em algum futuro distante para tocar juntos, mas realizar shows é algo improvável”, afirma.

O som do Hojerizah continua presente vida dos amantes dos bons sons. Muitos ainda conservam os seus vinis como relíquias. A mensagem que a banda deixa para esses fãs é para não deixarem o nome do grupo morrer. “Façam uma petição, um abaixo assinado, qualquer coisa para que relancem os nossos discos. Não desta forma meia boca como o “Hot 20”. Uma coisa séria, em vinil também. Muita gente ainda não conhece. Nossa música vai continuar por muitas décadas mais”, afirma Larrosa. Alvaro também demonstra consideração pelas pessoas que acompanham a banda, de alguma forma, até hoje. “Obrigado por ajudarem a perpetuar esse nosso trabalho”, declara. É de Toni Platão, a voz das músicas do Hojerizah, a frase final desta matéria. “Obrigado. Vocês fazem valer a pena até os momentos ruins. Os bons então”, afirma.

Quem agradece são as pessoas que gostam de música de qualidade neste país e, hoje, sentem tanta dificuldade em encontrar bandas que preencham a lacuna deixada por grupos como o Hojerizah.


AS INFORMAÇÕES SÃO DO GAZETA DO POVO
EDIÇÃO DE FERNANDO ATALLAIA

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