sábado, 18 de novembro de 2017

Escritor exerceu múltiplas atividades ao longo de sua vida, iniciando sua carreira artística como palhaço de circo até se consagrar como dramaturgo e ator de teatro.


Por Denise Ap. de Paulo Ribeiro Leppos

Plínio Marcos exerceu múltiplas atividades ao longo de sua vida, iniciando sua carreira artística como palhaço de circo até se consagrar como dramaturgo e ator de teatro. Nascido e criado na cidade mítica à beira mar, a baixada santista foi o lugar onde o autor pode encetar seus primeiros contatos com intelectuais reconhecidos nacionalmente. De origem humilde, o escritor de Santos buscou através de suas personagens desnudar os problemas políticos e sociais que assolavam o Brasil durante os anos de chumbo.

O escritor também construiu uma carreira sólida no jornalismo, percorrendo vários periódicos e revistas que lhe trouxeram notoriedade ao expor, em suas crônicas, o retrato dos submundos excluídos e marginalizados da sociedade, repudiando, desta forma, o poder vigente naquela época.

Foto de divulgação do documentário “Plínio Marcos nas Quebradas do Mundaréu”, com direção de Julio Calasso. Lançado no ano de 2015 em comemoração ao 80º aniversário de Plínio Marcos (1935-1999).
Por volta de 1968, o dramaturgo escrevia uma coluna semanal para o extinto jornal Última hora, de São Paulo. Sua coluna tinha o nome de uma de suas peças, Navalha na carne, e nela escrevia pequenos contos. Com o sucesso, a coluna ganha mais espaço para crônicas sobre diversos assuntos, na maioria das vezes denunciando as hipocrisias de uma sociedade moralista e conservadora. A sua coluna permaneceu no jornal até meados de 1973, pois no ano seguinte fechou contrato com outra central de jornalismo, na qual ganhara mais espaço com uma coluna diária chamada de “Jornal do Plínio Marcos”.

Já em 1975, Plínio Marcos é contratado pelo jornalista Mino Carta, nessa ocasião para escrever uma coluna sobre futebol na revista Veja. Contudo, mesmo com uma coluna esportiva ele não perdia a oportunidade de fazer críticas, aqui, aos dirigentes de futebol, motivo pelo qual teve alguns textos censurados pela ditadura, por isso pagou o preço por não se calar, foi demitido no ano seguinte. Foi assim, nesse período sombrio, conturbado e violento, que seus trabalhos de cunho crítico e progressista conquistaram espaço.

Em Bendito maldito: uma biografia de Plínio Marcos (2009), Oswaldo Mendes descreve como o dramaturgo era visto pelos sistemas controladores das práticas e dos dizeres:

“Plínio Marcos aos olhos do Sistema que governou o país a partir de 64, era o ‘perigo’, aquele cujas palavras tinham o poder de abalar estruturas, costumes, regimes… Por que a proibição paulatina e reiterada de sua obra? Muito provavelmente, a resposta está na raiz da dramaturgia do autor: ele mostra como ‘gente’ aqueles que normalmente são considerados ‘marginais’ e traz ao palco uma nova classe integrada por indivíduos até então ignorados pela saga teatral, aos quais devota solidariedade irrestrita pelo simples fato de fazê-lo existir” (2009, p. 15).
Frequentemente, afirma-se que Plínio Marcos incomodava as autoridades da época, que concebiam suas obras como uma afronta ao modelo social conservador, à direita e ao sistema político que vigorou no país durante os anos de governo militar, posto que suas peças desvelavam duras críticas à ordem imposta pelo regime ditatorial. Por este motivo, tornou-se respeitado entre artistas e grupos da chamada imprensa alternativa por lutar em defesa e em nome dos marginalizados, razão pela qual o fez num “perseguido” pela Censura.

Conhecido como repórter de um tempo mau por relatar os fatos ocorridos entre os anos 1960 e 1980 no Brasil, suas obras definitivamente não abordavam a “arte pela arte”. Por esse motivo, é preciso considerar que o dramaturgo promoveu a partir de seus textos uma abertura política e estética no teatro nacional. No decorrer do período ditatorial, Plínio Marcos foi considerado pelas autoridades e instituições repressoras como um menino maldito por falar de determinados assuntos que deveriam estar silenciados.

É notório o posicionamento engajado de Plínio Marcos em relação aos problemas sociais, e principalmente, quando arroga o lugar da crítica evidenciado por algumas marcas textuais como, por exemplo, o emprego de primeira pessoa nos discursos [pago qualquer preço pela pátria do meu povo, pago o preço de nunca escrever para agradar os poderosos, estou no campo, eu não fujo, meu caminho de crítico da sociedade, de repórter incômodo e até provocador]. As materialidades mostram que ele sofre(rá) consequências por assumir essa condição de porta-voz do povo.

A figura do porta-voz não passa, contudo, sem ambivalências. Sobre essa função, Pêcheux o define como sendo o efeito exercido do falar “em nome de” se expondo “ao olhar do poder que ele afronta, falando em nome daqueles que ele representa, e sob seu olhar […] que o coloca em posição de negociador potencial, no centro visível de um ‘nós’ em formação” (1990, p. 17). Nesse sentido, Plínio Marcos ao dizer, por exemplo, “pago qualquer preço pela pátria do meu povo”, toma para si o poder de fala, mas o faz em nome de um ‘nós’ (implícito na oração), que representa a coletividade – o povo.

Entretanto, conforme Piovezani (2003, p. 59), estar na posição de porta-voz não significa necessariamente reproduzir a fala do povo, “mas seu simulacro, pelo fato de que a existência do porta-voz atesta a impossibilidade de que o povo fale, pois se assim acontecesse, a função de falar em seu nome estaria elidida”. Deste modo, dar voz — falar em nome de — é ao mesmo tempo fazer calar, pois o sujeito ao atribuir para si o papel de porta-voz está inevitavelmente se colocando no lugar do outro e, consequentemente, silenciando-o, ainda que lhe dando voz, de certo modo.

Grosso modo, o dramaturgo assume a posição do sujeito de locutor que medeia a voz dos dominados à dos dominantes — enquanto sujeito político — falando desse novo lugar enunciativo. Podemos dizer que a produção de Plínio Marcos é ambivalente, pois, ao dar o direito da palavra aos excluídos, assume a função enunciativa daquele que pode e deve falar em nome de. De certo modo, isso também o coloca na posição daquele que deve ser calado, sofrendo com a censura sobre a sua obra (cf. LEPPOS, 2012, p. 94). Em suma, ao produzir obras teatrais, ele representava a sua própria voz, ao mesmo tempo em que passava simbolicamente o turno de fala ao povo (terceira pessoa). Ao levar aos palcos a figura dos excluídos criava, então, um novo espaço para tratar dos problemas políticos e sociais (cf. LEPPOS, 2012, p. 92).

Além disso, o repórter de um tempo mau deixa patente sua filiação política e ideológica ao se assumir como o transmissor da voz da contestação, tendo, por isso, boa parte de sua produção artística silenciada. Esse silenciamento fez com que vários escritores tivessem a publicação de seus livros proibidas bem como a representação de seus textos interditadas, como podemos constatar no excerto a seguir do relatório de instauração de Inquérito Policial-Militar, aberto pelo general Humberto Mello, em abril de 1969:

1. Esta Comissão examinando as atividades de ALFREDO DIAS GOMES, CARLOS JOSÉ DIEGUES, JEAN FRANCESCO GUARNIERI, JOSÉ RIBAMAR FERREIRA GULLAR, NEWTON CARLOS, PLÍNIO MARCOS e GERALDO PEDROSO DE ARAÚJO DIAS, verificou que todos eles vêm se empenhando com a classe artística, na qual militam e são membros exponenciais para destruir os princípios da Revolução de 30 de março, subverter o regime e a ordem social através de ações ostensivas ou veladas, utilizando-se de meios de divulgação de grande penetração e influência na opinião pública, tais como: cinema, teatro, rádio e televisão.
2. As atividades subversivas desses elementos constituem um dos componentes, no mínimo psicológico, para a ocorrência sistemática de ações da guerra revolucionária já identificada com atentados terroristas, sabotagens, assaltos a bancos, golpes de mão em quarteis, roubos de armas e equipamentos militares e a prática de atos contrários aos interesses nacionais, corrompendo a juventude e contribuindo para a dissolução da família brasileira e da sociedade democrática.
Dada a conjuntura histórica e a condição de produção repressiva em que a sociedade brasileira havia sido submetida, é outorgado ao general o direito de falar, visto que ele fala a partir da sua posição de autoridade. Desse posicionamento do poder falar, Humberto Mello, na posição de censor, é quem, de fato, está autorizado a fazer calar. Logo, podemos compreender o silenciamento como uma prática militar.

A solicitação de abertura de inquérito vem subsidiada por exame e verificação. Os investigados não são quaisquer uns; eles não só são subversivos, mas empenham-se em sê-lo; e o fazem valendo-se de meios de difusão que “influenciam a opinião pública”. Contudo, há uma contradição na designação dos sujeitos, definidos pelo general, como praticantes de “atividades subversivas”. No início do relatório são apresentados os nomes desses “sujeitos transgressores”, no segundo parágrafo, esses mesmos sujeitos, que antes foram identificados pelos seus nomes, agora são tratados de “elementos”. Uma vez que esse termo [elemento] é muito utilizado no ambiente militar para designar vulgarmente uma pessoa ou um grupo de indivíduos não identificados, aqui, adquiri um valor pejorativo ao aludir sentido de “criminosos” e “terroristas”.

O enunciador do inquérito ainda diz que esses investigados “são membros exponenciais” capazes de destruírem os princípios da “Revolução de 31 de março”. Primeiro, o emprego do adjetivo [exponenciais] produz o sentido de que as atividades realizadas por aqueles “elementos” são extremamente perigosos, por isso, devem ser punidos. E segundo, o general define como “revolução” a tomada do governo pelos militares juntamente com alguns setores civis. Desse modo, se o poder foi fruto de uma ação violentamente imposta, soa contraditório dizer que aqueles sujeitos, citados como subversores da ordem – da juventude – da família –, corrompem a “sociedade democrática”. Logo, se a sociedade fosse democrática não seria a liberdade de expressão um sentido negativo. Assim, é notório que nem tudo deve ser dito e as instituições detentoras do poder discursivo serviriam para comedir e banir os escritores em suas produções discursivas.


Denise Ap. de Paulo Ribeiro Leppos é Doutora em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação  em Linguística da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Um comentário: