segunda-feira, 20 de novembro de 2017
Nova frente de esquerda revoluciona eleição do Chile e pressiona direita no segundo turno

Candidato de centro-esquerda, Alejandro Guillier, será oponente de Sebastián Piñera.

A organizada política chilena foi virada de cabeça para baixo após um surpreendente resultado eleitoral. O Chile está a caminho de um segundo turno disputado em 17 de dezembro depois de, contra todas as expectativas, Sebastián Piñera ter conseguido uma vitória apertada, com 36% dos votos. As análises do dia seguinte indicam que Alejandro Guillier, de centro-esquerda, que obteve 22%, poderia unir todos os votos contra Piñera e vencer as eleições, algo que parecia impossível até o domingo. A grande surpresa veio com a Frente Ampla, de linha semelhante à do partido espanhol Podemos, que alcançou o surpreendente resultado de 20% dos votos e se tornou uma peça-chave da política.

Apenas uma das previsões se materializou na noite eleitoral do Chile: Piñera, o ex-presidente bilionário de centro-direita, e Alejandro Guillier, o jornalista que liderou a candidatura de centro-esquerda sem militar em nenhum partido, serão os rivais no segundo turno. Mas todo o resto foi uma enorme surpresa que desconcertou analistas e a imprensa, e deixou os institutos de pesquisa em uma situação constrangedora, já que erraram feio, tanto que alguns os acusaram de fazê-lo intencionalmente para beneficiar Piñera.

A maior surpresa foi trazida pela Frente Ampla, um grupo de esquerda liderado por alguns protagonistas da revolução estudantil em 2011. São tão jovens que não poderiam ser candidatos à presidência, porque não têm os 35 anos necessários, e escolheram para esse posto Beatriz Sánchez, uma conhecida jornalista, que conseguiu um resultado espetacular. As pesquisas lhes davam 8%, mas conseguiu 20%. Agora, seus votos são os mais desejados, porque tendem a ser direcionados para Guillier e assim evitar a vitória de Piñera. Seja qual for o resultado, o grupo de esquerda é popular e já marca a política chilena.

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Alejandro Guillier, de centro-esquerda, que obteve 22%, poderia unir todos os votos contra Piñera e vencer as...

 "Foi muito surpreendente, pensei que isso fosse acontecer daqui a quatro anos, já temos aqui um novo projeto político, como o de Podemos. Vai ser difícil chegar a um acordo com Guillier, porque são diferentes, são uma nova força", explica Gloria de la Fuente, diretora da Fundação Chile 21. Ela acredita que, agora, é Guillier quem tem mais opções para o segundo turno, embora tenha que, para isso, costurar um complexo acordo com a Frente Ampla e propor reformas claras, que possam agradar seu eleitorado. Esta é, precisamente, uma das maiores surpresas. Acreditava-se que Piñera ganharia com folga, porque os chilenos de centro não estavam satisfeitos com as reformas progressistas da presidenta Michelle Bachelet, mas o voto da Frente Ampla envia a mensagem oposta. "Na [Fundação] Chile 21, vimos que as pessoas tinham uma avaliação ruim da gestão das reformas, não da ideia", conclui De La Fuente, que acredita que este resultado prova que o Chile, com uma enorme taxa de abstenção – superior a 53% –, continua sendo de centro-esquerda.

A centro-direita de Piñera e a extrema-direita do pinochetista ultraconservador José Antonio Kast, com nove filhos, a outra grande surpresa das eleições, somam apenas 44%. Ainda assim, Piñera pode buscar votos na Democracia Cristã, que no Chile está na centro-esquerda, e torcer para que muitos eleitores da Frente Ampla não apoiem Guillier. No momento, já está se formando uma grande frente contra Piñera, em que Guillier não para de receber apoios, incluindo o do ex-presidente Ricardo Lagos, seu grande rival interno. O debate na TV entre os candidatos será fundamental numa reta final disputada.

“Agora há uma possibilidade para Guillier, mas acredito que seja muito difícil porque ele não é um bom candidato. Teve o pior resultado da história da Concertação. Além disso, uma parte da Frente Ampla, como acontece no Podemos, acha que é preciso destruir a Nova Maioria. Também será difícil para Piñera angariar votos. Será muito disputado, mas acredito que será mais difícil para Guillier”, sentencia o analista.

Ascanio Cavallo, surpreso como todo mundo com o resultado e, em especial, com o sucesso de Kast, que prejudicou Piñera. “Ele representa, com muita nitidez, uma posição da ultradireita. Não existe nada parecido na América Latina. É o remanescente do pinochetismo”, explica.

O sociólogo Eugenio Tironi não enxerga tanto uma mensagem de esquerda ou direita por trás das eleições, e sim, mais propriamente, um apelo à renovação política. “Ninguém imaginou uma votação tão alta da Frente Ampla. Há um desejo de renovação, de mudança de cara, de regeneração. Isso é o que a Frente Ampla reflete, são os rostos novos, com retórica mais ousada, menos instrumental. As pessoas querem renovação das elites, e por isso Kast teve um bom desempenho. Finalmente, o desejo de renovação é mais importante que o desejo de crescimento econômico. Aconteceu com Piñera, como ex-presidente, o que aconteceu com Lagos meses atrás. Por isso, quem tem mais chances de somar votos agora é Guillier, que, de alguma maneira, é novo. Para Piñera, será muito mais difícil”, explica.

“Foi um plebiscito sobre a gestão de Bachelet. Mas houve um erro: quando as pesquisas mostravam uma rejeição às reformas de Bachelet – de 70% –, [a rejeição] era para os dois lados”, diz o analista.

Francisco Covarrubias, mais próximo de Piñera. “Houve pessoas que consideravam que as reformas eram muito ousadas e profundas. Foram as que votaram em Piñera e sua coalização, que foi bem votada. Mas também houve pessoas que se opunham às reformas de Bachelet porque as consideravam tímidas, dizendo que tinham que avançar mais rápido. Foram as que votaram na Frente Ampla. Se essa eleição não fosse também presidencial, diríamos que a direita teve bom desempenho. Os resultados do Congresso foram muito bons para esse setor. Mas, no caso da eleição presidencial, somaram-se as altas expectativas alimentadas pelas pesquisas. Assim, o banho de realidade faz com que agora haja contrariedade e preocupação”, resume. Tudo parece indicar um segundo turno imprevisível em que a participação do eleitorado, uma das mais baixas do mundo, será de novo fundamental.


As informações são dos repórteres Carlos E. Cué e Rocío Montes
Edição de Fernando Atallaia 

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