sexta-feira, 17 de novembro de 2017
Dois mil indígenas cobram
direito de usar nome étnico no Pará
Projeto do núcleo de direitos
humanos do Pará garante pluralismo jurídico e repara violação cometida por
cartórios.
Fabiano Soares dos Santos Tembé
agora se chama Pytàwà Fabiano Warhyti Soares dos Santos Tembé e Márcia Vieira
da Silva aguarda a mudança de seus registros. Assim que a questão burocrática
for resolvida, ela poderá apresentar no seu documento de identidade o nome pelo
qual se reconhece: Márcia Wayna Kambeba. O direito foi garantido por meio
de um projeto do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos e Ações Estratégicas
(NDDH) da Defensoria Pública do Estado do Pará.
Até o momento, dois mil indígenas
solicitaram ao NDDH a alteração de seus registros de nascimento para acréscimo
de seus nomes étnicos.
Pytàwà e Márcia foram impedidos de
fazer os registros de seus nomes étnicos nos cartórios onde moravam. Ele, que
hoje tem 31 anos, conta que os pais, ao registrá-lo, foram informados no
cartório de que não poderiam inserir nomes étnicos que o identificasse como
indígena. O argumento utilizado, na época, foi de que isso o protegeria contra
a violência e o preconceito.
Quando completou 14 anos e foi
morar com a tia na Terra Indígena Mãe Maria, onde vive até hoje com o povo
Gavião Parkatêjê, no município de Bom Jesus do Tocantins, na região sudeste do
Pará, Pytàwà percebeu que todos os seus amigos, que tinham a mesma idade que
ele, apresentavam e tinham em seus documentos nomes indígenas, menos ele.
Márcia Vieira da Silva e muitos outros indígenas foram impedidos pelos cartórios de inserir os nomes de seus povos na identidade. |
“A gente sempre se colocava
apelido. Por exemplo, eu tenho vários amigos que aqui se chamam Ricardo, José…
mas quando eles apresentavam, nos documentos estavam os nomes indígenas.
Então isso para mim fazia diferença, porque eu me identificava com um nome e
quando eu apresentava o meu registro estava outro nome, um nome não indígena
que eu não me sentia representado”, conta.
Ele conta que virou motivo de
piada na escola, sofreu preconceito e sempre tinha que explicar para as pessoas
porque ele, sendo indígena, tinha um “nome de branco”. Pytàwà ainda deseja
retirar o Fabiano do registro de nascimento, nome com o qual ele não possui
relação de afetividade.
A história de Pytàwà não é exceção
entre indígenas. Márcia Kambeba também apresenta a mesma narrativa. No
mundo branco, ela é Márcia e, quando está na aldeia, se chama Wyana Kiana, que
significa “moça magrinha que canta”.
Prestes a acrescentar o nome
étnico em seus documentos, ela fala sobre a importância de poder exercer o direito
de se identificar como indígena e manter a ancestralidade de seu povo: “A
importância de se ter um nome indígena é que fortalece o povo, mantém viva a
chama ancestral da nossa memória, da nossa resistência. É uma continuidade da
luta, dos saberes e da permanência desse povo, porque antes nos foi negado esse
direito”.
O defensor público do NDDH Johny
Giffoni explica que a Constituição Federal reconhece a existência de grupos
sociais que apresentam uma diversidade social e cultural, termo que dentro do
direito é denominado de pluralismo jurídico e é reconhecido também pela
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O direito, no
entanto, ainda é descumprido pelos cartórios.
Giffoni diz que a defensoria do
Pará iniciou a efetivação do pluralismo jurídico nas aldeias no estado em 2011.
O projeto é realizado em parceria com o Ministério Público Federal e Estadual e
com organizações indigenistas e indígenas.
“Quando a gente começa a trabalhar
o direito à identidade dos povos indígenas como forma de garantia e instrumento
para a manutenção do direito territorial, a gente fortalece a luta desses povos
pela garantia dos seus territórios”, diz.
O projeto é um dos finalistas do
14° Prêmio Innovare. O anúncio dos premiados será feito no dia 5 de dezembro,
em cerimônia no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
As informações são da repórter
Lilian Campelo
Edição de Vanessa Martina Silva
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