quinta-feira, 31 de agosto de 2017
Alteração da taxa de juros do BNDES compromete crescimento futuro
Câmara dos Deputados votou últimos destaques em relação à medida 

Após aprovar o texto-base da Medida Provisória (MP) 777, que modifica a taxa de juros do BNDES, a Câmara dos Deputados rejeitou nesta quarta-feira (30) os últimos destaques relacionados à matéria, apresentados por parlamentares da oposição. Para representantes dos funcionários do Banco e do setor industrial, a alteração compromete o crescimento econômico a médio prazo do país.


Ao BDF, Mário Bernardini, diretor de competitividade da Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), classificou a mudança como “um tiro no pé”. Arthur Klobitz, economista do Banco e vice-presidente da Associação dos Funcionários do BNDES, entende que o país está “abrindo mão” de seu banco público de desenvolvimento. 


O texto da MP segue para o Senado, que tem o prazo de 6 de setembro para votar a matéria. Em caso contrário, a Medida perde sua validade. 


A MP extingue a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), aplicada aos empréstimos do BNDES, e cria a Taxa de Longo Prazo (TLP). Apesar do nome similar, há grandes diferenças entre as duas. A primeira é mais barata ou muito próxima à Selic, taxa básica da economia brasileira utilizada no pagamento das dívidas contraídas pelo Estado. Já a segunda se aproxima dos níveis praticados pelo mercado privado. 


Atualmente, a taxa Selic está no patamar de 10,25% ao ano. Os juros cobrados por bancos privados, entretanto, apenas partem desse nível. Em 2016, a taxa média de aplicação – ou seja, juros finais aos clientes – para empresas nos mercado privado foi de 28%. A TJLP, no mesmo período, não passou de 7,5%, nível que permaneceu em 2017. Isso significa que, hipoteticamente, o tomador de empréstimo de R$ 100 no BNDES deveria pagar R$ 107 ao final de um ano. Nos bancos privados, para o mesmo valor, pagaria R$ 128. 

Koblitz afirma que a procura pelo BNDES vem justamente da sua taxa diferenciada em relação à Selic. 

Medida Provisória aproxima taxa de juros de empréstimos do BNDES aos praticados pelo mercado privado.

“O BNDES, assim como todo banco de desenvolvimento, tem como fundamento de funcionamento a capacidade de oferecer rendas ao setor privado que resolva fazer o que o Banco considere importante. Por exemplo, inovar. O Banco financia a atividade de inovar com uma taxa que estimula os investimento. Todo banco de desenvolvimento tem que ter capacidade de gerar alguma vantagem especial para o tomador de crédito”, diz. 


Historicamente, o BNDES foi um dos principais fatores da industrialização e montagem da infraestrutura nacional, a partir dos anos 50, data de sua fundação. Nas décadas de 80 e 90, passa por uma reorientação, promovendo privatizações. Nos anos 2000, tenta resgatar seu papel como indutor da atividade econômica. 


O representante da Abimaq defende que a opção por diminuir aportes ao setor produtivo só faria sentido mediante outras mudanças, de caráter macroeconômico.

“O que interessa é que a TLP é mais cara que a TJLP. O objetivo do governo é diminuir o subsídio. Em um país 'normal', se reduz subsídio [também] reduzindo a Selic, que é excessivamente elevada. Aqui nós temos juro real de 6% ao ano, no resto do mundo, o juro real é negativo, zero ou, quando positivo, 0,5%. Se reduzisse a Selic, a TJLP é que seria cara. O governo tem razão no objetivo, mas não na forma. A convergência entre as duas taxas deveria ser feita pela redução da Selic”, resume. 


Bernardini também explica os efeitos da substituição de taxas sobre o cenário nacional. 

“O resultado prático de eliminar a mais baixa e taxar pela mais alta é que se encarece o investimento em um país que não está investindo nada. A função do investimento é garantir o futuro. A China investe 35% do PIB. Nós investíamos, até antes da crise, 20%, que é muito pouco. Hoje, investimos 15%. Não investir, ou dificultar o investimento, compromete o crescimento futuro. Com isso, vem todo o resto: desemprego, salário baixo, país pobre. Nós deveríamos estar tomando medidas para elevar o investimento”, projeta. 


Há, segundo Bernardini, uma relação direta entre o nível de investimento, até recentemente garantido pela TJLP, e o crescimento econômico: “TJLP estava razoavelmente abaixo do custo do dinheiro no país, nós chegamos a um investimento da ordem de 25% do PIB. Um número que poderia levar o país a crescer 3% ou 4% ao ano. Há uma relação direta entre volume de investimento e futuro do crescimento. Se investisse 35%, garantiria que daqui há 4 anos cresceria 5% ao ano. Um investimento de 15%, como estamos tendo, garante um crescimento na ordem de 1,5%”. 


Bernardini explica que a TJLP, ao conceder dinheiro mais barato, ajuda o setor produtivo. Seu fim, por outro lado, aprofunda a ausência de incentivo à indústria, em benefício do setor bancário.

“Quando você vai uma casa própria, você toma cuidado para que o custo dos juros seja compatível com o crescimento da sua renda. Se você espera que seu salário aumente 5% ao ano, você não pode ter juro real de mais de 5%, se não você vai ter que devolver a casa”, diz. O mesmo raciocínio vale para o investimento empresarial.

“Então, não é possível ter o financiamento de uma máquina acima de 10% ao ano, se não, não vou pagar. Com a TJLP, a máquina custa 14% ao ano. Já não é um bom negócio. Se mudar para TLP, vai custar 18% ao ano. É uma loucura. Então, eu não invisto. Há um desestímulo. Se você ganhar na loteria, vai abrir uma fábrica ou colocar no banco?”, provoca o diretor da Abimaq. 


Koblitz traça também um cenário pessimista, de desconfiguração do BNDES, e critica a velocidade e falta de participação na decisão. 

“Sem dúvida, torna o crédito do BNDES menos atrativo. O papel do Banco vai ser restringido. Os recursos vão ficar parado no caixa e vão recolher o dinheiro do banco. É uma estratégia clara de destruição. O BNDES tem que investir em grandes empresas se pretende influenciar a taxa de investimentos no país. Mas não é apenas a estratégia de apoio aos campeões nacionais que está comprometida. Qualquer estratégia que o BNDES decidir tomar estará comprometida. Nem a sociedade nem o Congresso tiveram o tempo necessário para debater isso”, conclui.

 

AS INFORMAÇÕES SÃO DO REPÓRTER RAFAEL TATEMOTO, DO BDF

EDIÇÃO DE VANESSA MARTINA SILVA

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