segunda-feira, 20 de março de 2017
Poder e Afetos
[…]O desapreço, a falta de afeto do Imperador pela pacata,
exemplar, dedicada e sofrida princesa Leopoldina, foi decisivo para nas
dificuldades que ele teve para encontrar na Europa uma nova consorte,
pois a sua péssima reputação cruzou o oceano, e as princesas no velho
continente fugiram apavoradas só em se imaginarem reviver na própria
carne o calvário de Leopoldina, triste e desprezada pelo homem a quem
dedicou a sua vida e a quem o poder apenas estimulou a ser cruel e, às
vezes, desumano, daí fazer por merecer a fama de sultão sul-americano,
assassino da própria esposa, que transformou a corte brasileira em um
bordel de luxo[…]”.
Tenho refletido muito sobre as consequências que decorrem do exercício do poder – seja absoluto ou moderado – para o afeto nas relações pessoais, com destaque para as relações familiares. É que tenho testemunhado, pessoalmente ou na literatura, o mal que pode fazer o exercício do poder para as relações afetivas, muitas das quais, não se pode negar, sucumbem diante da falta de equilíbrio no exercício de um cargo relevante. Isso porque é a partir do poder que muitos revelam o seu caráter, as suas tendências – para o bem ou para o mal, mais para o mal do que para o bem -, a sua propensão para desprezar os afetos, mesmo os familiares, se necessário for, para se preservar no poder.
A vida do Imperador D. Pedro I, quer na visão de Isabel Lustosa (Ed. Companhia das Letras), quer na visão romanceada, de Javier Moro (Império é você: A fascinante saga do homem que mudou a história do Brasil, Ed. Planeta, iBooks), e as barbaridades do Rei Henrique VIII (The Tudors, série exibida no Netflix), obras sobre as quais me detive mais recentemente, me levam, definitivamente, a essa constatação lamentável, ou seja, de que o poder – seja absoluto ou não – tem, sim, o condão de, quando conveniente ao detentor, romper os afetos familiares, tornar descartáveis as amizades e estimular as arbitrariedades.
Em face da miopia que povoa a mente de quem exerce o poder – que pode ser exemplificado, ademais, com as conflituosas relações de D. João VI e D. Carlota Joaquina, com a guerra fratricida entre D. Miguel e D. Pedro I, e a forma desumana e desrespeitosa com que D. Pedro I tratava D. Leopoldina, a quem só deu valor depois de morta, já que vivia embriagado e cego pelo prazer que desfrutava nos braços de Domitila -, aos afetos restam, muitas vezes, apenas as sobras, as migalhas das relações.
Os exemplos históricos – e atuais – dos rompimentos dos afetos em face do poder são incontáveis. Lembro, ademais, à guisa de ilustração, que Pedro, “o Grande”, por exemplo – como fez Henrique VIII com Ana Bolena -, mandou decapitar a amante e depois segurou a cabeça dela, usando-a numa aula de anatomia, despedindo-se dela, macabramente, com um beijo na boca; Ivan, o terrível, conhecido pela crueldade, matou o próprio filho.
As correspondências eróticas entre Alexandre II e sua amante e de Pedro I e Domitila, a famosa Marquesa de Santos, a qual acima me reportei, são mais dois exemplos da falta de afeto familiar que o exercício do poder proporciona, que se torna incontrolável quando aliado à falta de caráter dos que não têm pudor e nem limites morais para o seu exercício.
O desapreço, a falta de afeto do Imperador pela pacata, exemplar, dedicada e sofrida princesa Leopoldina, foi decisivo para nas dificuldades que ele teve para encontrar na Europa uma nova consorte, pois a sua péssima reputação cruzou o oceano, e as princesas no velho continente fugiram apavoradas só em se imaginarem reviver na própria carne o calvário de Leopoldina, triste e desprezada pelo homem a quem dedicou a sua vida e a quem o poder apenas estimulou a ser cruel e, às vezes, desumano, daí fazer por merecer a fama de sultão sul-americano, assassino da própria esposa, que transformou a corte brasileira em um bordel de luxo.
As pessoas embriagadas com o poder absoluto – que nem precisa ser tão absoluto assim, como anotei acima – sequer têm ouvidos pra ouvir conselhos dos que lhes prezam, mesmo porque os acólitos, os que estão em volta do poderoso, às vezes só mesmo por interesse e por conveniência – como o Chalaça, o Sancho Pança de D. Pedro I -, só costumam dizer aquilo que a eles convém, sendo, nesse cenário, uma louvável exceção posições como a de José Bonifácio que, certa feita, quando do seu retorno à corte, tempos depois de ter se afastado em face das posições intempestivas do imperador, recusou os cargos que este lhe ofereceu, dizendo que não almejava nenhum deles, pois o que desejava mesmo era servir de advogado do diabo, sem posição e sem remuneração, pretendendo, nessa condição, “ser livre para falar da maneira mais franca possível, e se me permitir mostrar os erros e falhas que vier a cometer, porque isso é de interesse de vossa majestade, de seus filhos e de todos nós.(Javier Moro, ob. cit. iBooks).
Para encerrar, devo dizer, convicto, que não permito que o poder interfira no afeto das pessoas que amo. Por isso, nada em mim mudou. Posso ser, sim, arrogante e prepotente como muitos pregam, por maldade ou com razão. Contudo, sou rigorosamente o mesmo de sempre. Frequento os mesmos lugares. Os amigos são os mesmos. A rotina é a mesma. As tertúlias continuam restritas à família e aos poucos, sinceros e leais amigos.
Decerto que o meu afeto e o meu carinho pelas pessoas que amo permanecem inalterados. Mas sei que não é o que ocorre com os que se embriagam com o poder, ainda que apenas uma fatia dele, pois esses costumam pensar que são muito mais do que efetivamente são. Por isso, são mais do que comuns, nos ambientes em que se sublima o poder, as disputas familiares, as desavenças entre parentes e amigos, as quais terminam por corromper os próprios afetos. Daí porque, em campo antípoda, tenho dito que, entre o poder e os meus afetos, não hesito em optar por estes.
José Luiz Oliveira de Almeida é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal e Promotor de Justiça. Também lecionou na Universidade Federal do Maranhão e na Escola da Magistratura do mesmo estado, tendo optado, há alguns anos, pela dedicação exclusiva ao Poder Judiciário.
Por José Luiz Oliveira de Almeida |
Tenho refletido muito sobre as consequências que decorrem do exercício do poder – seja absoluto ou moderado – para o afeto nas relações pessoais, com destaque para as relações familiares. É que tenho testemunhado, pessoalmente ou na literatura, o mal que pode fazer o exercício do poder para as relações afetivas, muitas das quais, não se pode negar, sucumbem diante da falta de equilíbrio no exercício de um cargo relevante. Isso porque é a partir do poder que muitos revelam o seu caráter, as suas tendências – para o bem ou para o mal, mais para o mal do que para o bem -, a sua propensão para desprezar os afetos, mesmo os familiares, se necessário for, para se preservar no poder.
A vida do Imperador D. Pedro I, quer na visão de Isabel Lustosa (Ed. Companhia das Letras), quer na visão romanceada, de Javier Moro (Império é você: A fascinante saga do homem que mudou a história do Brasil, Ed. Planeta, iBooks), e as barbaridades do Rei Henrique VIII (The Tudors, série exibida no Netflix), obras sobre as quais me detive mais recentemente, me levam, definitivamente, a essa constatação lamentável, ou seja, de que o poder – seja absoluto ou não – tem, sim, o condão de, quando conveniente ao detentor, romper os afetos familiares, tornar descartáveis as amizades e estimular as arbitrariedades.
Em face da miopia que povoa a mente de quem exerce o poder – que pode ser exemplificado, ademais, com as conflituosas relações de D. João VI e D. Carlota Joaquina, com a guerra fratricida entre D. Miguel e D. Pedro I, e a forma desumana e desrespeitosa com que D. Pedro I tratava D. Leopoldina, a quem só deu valor depois de morta, já que vivia embriagado e cego pelo prazer que desfrutava nos braços de Domitila -, aos afetos restam, muitas vezes, apenas as sobras, as migalhas das relações.
Os exemplos históricos – e atuais – dos rompimentos dos afetos em face do poder são incontáveis. Lembro, ademais, à guisa de ilustração, que Pedro, “o Grande”, por exemplo – como fez Henrique VIII com Ana Bolena -, mandou decapitar a amante e depois segurou a cabeça dela, usando-a numa aula de anatomia, despedindo-se dela, macabramente, com um beijo na boca; Ivan, o terrível, conhecido pela crueldade, matou o próprio filho.
As correspondências eróticas entre Alexandre II e sua amante e de Pedro I e Domitila, a famosa Marquesa de Santos, a qual acima me reportei, são mais dois exemplos da falta de afeto familiar que o exercício do poder proporciona, que se torna incontrolável quando aliado à falta de caráter dos que não têm pudor e nem limites morais para o seu exercício.
O desapreço, a falta de afeto do Imperador pela pacata, exemplar, dedicada e sofrida princesa Leopoldina, foi decisivo para nas dificuldades que ele teve para encontrar na Europa uma nova consorte, pois a sua péssima reputação cruzou o oceano, e as princesas no velho continente fugiram apavoradas só em se imaginarem reviver na própria carne o calvário de Leopoldina, triste e desprezada pelo homem a quem dedicou a sua vida e a quem o poder apenas estimulou a ser cruel e, às vezes, desumano, daí fazer por merecer a fama de sultão sul-americano, assassino da própria esposa, que transformou a corte brasileira em um bordel de luxo.
As pessoas embriagadas com o poder absoluto – que nem precisa ser tão absoluto assim, como anotei acima – sequer têm ouvidos pra ouvir conselhos dos que lhes prezam, mesmo porque os acólitos, os que estão em volta do poderoso, às vezes só mesmo por interesse e por conveniência – como o Chalaça, o Sancho Pança de D. Pedro I -, só costumam dizer aquilo que a eles convém, sendo, nesse cenário, uma louvável exceção posições como a de José Bonifácio que, certa feita, quando do seu retorno à corte, tempos depois de ter se afastado em face das posições intempestivas do imperador, recusou os cargos que este lhe ofereceu, dizendo que não almejava nenhum deles, pois o que desejava mesmo era servir de advogado do diabo, sem posição e sem remuneração, pretendendo, nessa condição, “ser livre para falar da maneira mais franca possível, e se me permitir mostrar os erros e falhas que vier a cometer, porque isso é de interesse de vossa majestade, de seus filhos e de todos nós.(Javier Moro, ob. cit. iBooks).
Para encerrar, devo dizer, convicto, que não permito que o poder interfira no afeto das pessoas que amo. Por isso, nada em mim mudou. Posso ser, sim, arrogante e prepotente como muitos pregam, por maldade ou com razão. Contudo, sou rigorosamente o mesmo de sempre. Frequento os mesmos lugares. Os amigos são os mesmos. A rotina é a mesma. As tertúlias continuam restritas à família e aos poucos, sinceros e leais amigos.
Decerto que o meu afeto e o meu carinho pelas pessoas que amo permanecem inalterados. Mas sei que não é o que ocorre com os que se embriagam com o poder, ainda que apenas uma fatia dele, pois esses costumam pensar que são muito mais do que efetivamente são. Por isso, são mais do que comuns, nos ambientes em que se sublima o poder, as disputas familiares, as desavenças entre parentes e amigos, as quais terminam por corromper os próprios afetos. Daí porque, em campo antípoda, tenho dito que, entre o poder e os meus afetos, não hesito em optar por estes.
José Luiz Oliveira de Almeida é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal e Promotor de Justiça. Também lecionou na Universidade Federal do Maranhão e na Escola da Magistratura do mesmo estado, tendo optado, há alguns anos, pela dedicação exclusiva ao Poder Judiciário.
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