segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
Os dois lados da proposta de reforma da previdência
O simples anúncio da reforma já fez o setor de
previdência privada estourar as metas anuais.
Dentre as diversas
nuances danosas que a reforma da Previdência apresenta ao trabalhador — como o achatamento
dos benefícios e o cerceamento de aposentadorias — a definição de uma
idade mínima de 65 anos é o ponto central da proposta, segundo o próprio
Henrique Meirelles. Contudo, o ministro da Fazenda ignora as profundas desigualdades
sociais e regionais que regem o país.
Em 19 municípios brasileiros a
expectativa de vida é de exatamente 65 anos, em outras 63 cidades, é de 66
anos. “As expectativas de vida são menores em locais mais pobres. As áreas
menos favorecidas têm condições de vida e de saúde muito abaixo das ricas,
devido às desigualdades do país”, afirma Isabel Marri, pesquisadora do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O calculo da PEC da previdência dissolve diferenças entre gênero e local de origem. |
Um dos argumentos que o
governo utiliza para justificar a PEC se baseia em outro conceito
estatístico, diferente do de expectativa de vida: o de sobrevida. Ou seja, em
quanto uma pessoa que já chegou a certa idade ainda deverá viver. Segundo a
proposta, as pessoas que chegam aos 65 anos no Brasil têm, em média, mais 18,4
anos de vida. O problema, entretanto, é que esse cálculo dissolve diferenças
entre gênero e local de origem.
A situação fica explícita
quando supomos uma comparação entre dois jovens de 20 anos de diferentes
estados e gêneros. Por exemplo, uma mulher de Santa Catarina e um homem
de Alagoas. Eles estão entrando agora no mercado de trabalho e, portanto, já
sofreriam os efeitos da reforma da Previdência. Segundo as estimativas,
ela deve viver 14 anos a mais.
Dados do IBGE apontam que
um jovem alagoano que tem 20 anos em 2016 viverá aproximadamente 69 anos. O
estado tem o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. É uma
vida inteira de trabalho para desfrutar de quatro anos de descanso.
“O problema é que o
governo se baseia em uma realidade que não é a do total do país.”
“[65 anos] É uma idade
alta considerando a realidade brasileira. Isso causa ou reforça a
desigualdade”, diz a presidente do Instituto Brasileiro de Direito
Previdenciário (IBDP), Jane Berwanger.
Para ela, a fórmula ideal deve mesclar tempo de contribuição e idade, como
a fórmula 85/95, pois assim as variações de idade entre os trabalhadores são
acentuadas.
Com o segundo menor IDH
do Brasil, o Maranhão é outro estado com projeções desanimadoras. Por lá, os
jovens de 20 anos também devem viver, em média, até os 69. “O problema é que o
governo se baseia em uma realidade que não é a do total do país. Dois terços do
volume das aposentadorias são de salário mínimo, não são para milionários. E
agora você faz essas pessoas trabalharem até o limite da capacidade. Um trabalhador
braçal, que mora em um lugar com estrutura de saúde menor, dificilmente vai
conseguir chegar aos 65 trabalhando”, afirma Berwanger.
Tanto no Maranhão, como
em Alagoas, 60% das pessoas que morreram em 2014 não chegaram aos 70 anos,
segundo os últimos dados disponíveis no Datasus. Com regras tão rígidas e a
obrigatoriedade da idade mínima em 65 anos, o governo força o trabalhador a
procurar meios privados para conseguir se retirar do mercado. “Seguramente [os
trabalhadores] terão de buscar formas de complementação da aposentadoria para
conseguirem se aposentar”, diz Jorge Cavalcanti, professor de direito privado e
direito trabalhista na Escola de Administração de Empresas da Fundação
Getulio Vargas.
O outro lado da moeda
É por isso que o simples
anúncio da reforma, com a entrada de Henrique Meirelles no governo, em maio, já
fez o setor de previdência privada estourar a champanhe — e as metas anuais. De
janeiro a outubro, as captações de clientes subiram 21,2%, um aumento de
R$ 42,93 bilhões comparado aos primeiros dez meses do ano passado.
No início do ano, antes
de a reforma entrar em pauta, a previsão era de estagnação ou baixa. No primeiro
trimestre, o setor registrou queda de 13% na captação de novos segurados.
Mesmo assim, não se pôde reclamar. Os investimentos bateram R$ 21,5
bilhões no período, sendo os planos individuais os que mais cresceram em
renda.
Mas foi em outubro que a
festa começou. A captação foi 57% acima da registrada no mesmo mês em
2015, acumulando R$8,8 bilhões. Desses, R$ 150,94 milhões foram investidos em
planos para menores de idade, uma evidência clara de que a elite econômica já
está criando estratégias de manter a qualidade de vida de seus filhos.
O último levantamento da
Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) indica que, entre
janeiro e outubro, os novos recursos captados somam R$ 42,9 bilhões. Isso
porque 2015 já havia sido um ano em que os recordes de captação foram batidos.
É uma pena que o
secretário responsável pela coordenação da reforma, Marcelo Abi-Ramia
Caetano, não tenha conseguido espaço em sua agenda para dialogar com as centrais
sindicais, foram apenas dois encontros este ano. Caetano foi indicado para a
pasta em maio, uma escolha pessoal do ministro Henrique Meirelles (Fazenda). Já
com representantes de bancos e empresas de fundos privados — como JP Morgan,
Santander, Itaú e XP investimentos —, conseguiu agendar cerca de 30
reuniões.
De acordo com Vilson
Antonio Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais e da
Receita Federal do Brasil (Anfip), “o principal diapasão dessa reforma” é a
busca por maiores investimentos em previdência privada. “Com certeza deve ter
havido uma pressão muito grande com objetivo de que esse mercado abocanhe uma
parcela maior da previdência”, afirma o auditor. “Não deu nem para disfarçar”,
critica a professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Denise Gentil.
“O secretário manteve
encontros com as direções de bancos no meio do processo de desenho da reforma.
Você olha a agenda do ministro e as declarações que os próprios bancos dão,
como o anúncio de ampliação das carteiras… E a gente sabe muito bem que corre
dinheiro no cenário das votações, o poder dos lobbies dentro do Congresso. O
setor financeiro não se interessa pela reforma apenas para aumentar suas
carteiras. Há grande interesse de maneira indireta, porque a compressão dos gastos
com a previdência permite a aplicação de taxas de juros mais elevadas. E as taxas
de juros seguram a margem de lucro desses capitais.”
Se os números do mercado
já apresentaram atividade meteórica com a simples menção à reforma, imagine
como não ficarão a partir deste mês, após a entrega da proposta oficial.
Segundo a economista, a postura do governo tem sido clara: “para as empresas,
financeiras ou nao, tudo; para a população mais pobre, o caos social”.
As informações são dos repórteres Helena Borges e Vinicius Pereira, do The Intercept
Edição da Agência
Baluarte
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